Estudar deveria contar para a reforma?

Quem opta por profissões que só podem ser exercidas após longos anos de formação chega, forçosamente, mais tarde ao mercado de trabalho. Em Portugal, a carga lectiva e a forma como se organizam alguns curso dificultam a compatibilidade entre trabalhar e fazer com sucesso todas as disciplinas

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Freddie Marriage/Unsplash

Todos sabemos que determinadas profissões só podem ser exercidas depois dos seus profissionais concluírem cursos específicos. De forma regular, ninguém pode ser médico, engenheiro, advogado, entre muitas outras profissões, sem realizar um curso superior, que habitualmente ronda os cinco anos, mas que pode ser mais, se se incluírem estágios e afins.

Quem opta por profissões que só podem ser exercidas após longos anos de formação chega, forçosamente, mais tarde ao mercado de trabalho. Nada impede que estes jovens trabalhem enquanto estudam, mas em Portugal a carga lectiva e a forma como se organizam alguns cursos, ao contrário do que acontece noutros países, dificultam a compatibilidade entre trabalhar e fazer com sucesso todas as disciplinas. Lembro-me bem de, na minha licenciatura em Engenharia, para fazer todos os trabalhos e exames com notas razoáveis, era necessário trabalhar diariamente depois das aulas e, na maior parte das semanas, também aos fins-de-semana. Só assim se conseguia dar conta de todo o volume de trabalho e não perder nenhuma cadeira, garantindo uma boa média. Outras áreas de estudos poderão não ter esta carga de trabalho, mas posso também afirmar — porque já fiz mais mestrados e até uma licenciatura na área das ciências humanas — que, para se ter sucesso em qualquer área de estudos, é preciso dedicação séria. Fazer um curso com nota mínima pode contribuir para fechar muitas portas no mercado de trabalho, especialmente quando se está a começar.

Assim sendo, até que ponto é que se justifica criar alguma forma de contabilizar o tempo de estudo para uma eventual reforma, uma vez que existem diversas carreiras profissionais que não podem ser seguidas sem a prévia formação?

Há uns anos estas questões talvez não fizessem qualquer sentido, pois fazer um curso superior garantia de imediato um emprego, quase sempre bem remunerado, o que compensava o tempo passado em exclusividade na universidade. Hoje em dia, apesar das pessoas com formação ganharem mais em média e terem melhores perspectivas de carreira futura, o resultado final de uma carreira laboral pode não ser tão evidentemente positivo.

Claro que nesta abordagem estou a ser excessivamente economicista, atribuindo valor apenas às remunerações e às eventuais condições futuras de reforma. Há muito mais valor para além disso. A vida académica costuma ser recordada como um dos melhores momentos da nossa vida pessoal. A realização profissional, ao trabalhar na área que nos apaixona, pode compensar diferenças de remuneração, tal como muitas outras coisas que advêm da realização académica e profissional subsequente. Por outro lado, pode começar a ser anacrónico falar em carreiras, uma vez que tudo se conjuga para a valorização da flexibilidade de adaptação a constantes mudanças profissionais ao longo da vida activa, em percursos muito diferentes das antigas carreiras profissionais.

Seja como for, deixo esta questão a pairar. Até que ponto é justo não contar o tempo dedicado ao estudo para efeitos de reforma ou outras prestações sociais equivalentes, uma vez que a própria sociedade e colectividade tira daí benefícios?

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