Morreu Robert Indiana, o artista pop que espalhou LOVE pelo mundo

O seu nome estará para sempre associado às pinturas, serigrafias e esculturas com a palavra LOVE, "amor" em inglês, que se reproduziram mundo fora. Em 2007, visitaram Lisboa. Mas "ele era um artista consequente que é confundido com um one-hit wonder".

Cabelo facial, Trevas
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Robert Indiana, fotografado em 1968 Jack Mitchell/Getty
Uma das esculturas de Indiana em Lisboa, no Rossio, em 2007
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Uma das esculturas de Indiana em Lisboa, no Rossio, em 2007 DR

O artista plástico norte-americano Robert Indiana morreu aos 89 anos na sua casa em Vinalhaven, no estado do Maine dos Estados Unidos. A sua fama mundial está para sempre associada às esculturas com a palavra LOVE, "amor" em inglês, organizada num quadrado – uma obra que viajaria pelo mundo e se multiplicaria, inspirando também versões alternativas numa cultura popular sempre apta à cópia e à reprodução. Esse amor trouxe-lhe sucesso, mas também alguma amargura.

A notícia da sua morte, por falha respiratória, foi confirmada pelo seu advogado e avançada pelo New York Times na madrugada desta terça-feira, mas o artista morreu no sábado.

Quatro maiúsculas, um L, um O inclinado, um V e um E, remontam à década de 1960 e tornaram-se simultaneamente uma escultura imediatamente reconhecível e, segundo o próprio artista, na “obra mais plagiada do século XX”, como recorda o diário norte-americano. Não havia um formato único nem um suporte de eleição – Robert Indiana, nascido Robert Clark mas rebaptizado com o nome do estado americano onde nasceu, criou muitas peças com base nesse LOVE gritante e de natureza e apelo universal. De Barack Obama a Israel, o seu LOVE serviu vários fins. Tem também várias histórias.

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Uma das esculturas do artista, em 2007, no Rossio em Lisboa PÚBLICO

Em 2007, por exemplo, espalharam-se por Lisboa, no final do ano, 14 obras entre as quais as monumentais LOVE, a pesar entre duas e cinco toneladas, como assinalou na altura o PÚBLICO, com o crítico de arte Alexandre Melo a lembrar que esta composição é “uma imagem que marcou fortemente toda uma época e uma geração”. Numa perspectiva mais ampla, sobre toda a sua obra, “os trabalhos de Robert Indiana são um eloquente exemplo do tipo de relações profundas que unem a arte popular à civilização americana”, comentava ainda Alexandre Melo.

A peça LOVE, reza a sua história mais conhecida, nasceu de uma encomenda do Museum of Modern Art (MoMA) para um simples postal de Natal, mas ganhou vida própria depois dessa origem singela em 1965 e anos depois, em 1973, era mesmo um selo oficial dos correios norte-americanos para o Dia dos Namorados. Há outra história sobre a sua origem, mas lá iremos. De permeio, LOVE tornava-se um ícone tanto da arte pop quanto da própria América e do contexto dos anos 1960 e 70. Em 1977, traduzida em hebraico, ia morar numa versão em aço para o jardim do Museu de Israel, em Jerusalém. Há um AMOR (1998-2006), mas em espanhol, que esteve em Madrid em 2006 e que pertence à National Gallery de Washington.

Em 2008, na campanha do senador democrata Barack Obama à presidência dos EUA, Indiana criou uma versão de LOVE, mas com o lema da campanha do político – HOPE – para angariar fundos para a corrida, tornando-se uma escultura que também seria reproduzida um punhado de vezes; em 1976 tinha transformado LOVE em VOTE num apelo ao voto também para o Partido Democrata. Faz parte da sua lenda o facto de ser reservado e também de uma vez não ter comparecido a um encontro com o próprio Obama na Casa Branca.

Nascido em 1928 em New Castle, Robert Indiana começou a sua expressão artística na pintura, mas acabaria por ser um artista que abarcou vários suportes, da escultura pública ao design de produção e cenários para teatro e ópera. Estudou no Art Institute of Chicago, na Skowhegan School of Painting and Sculpture, no Maine, e viaja mesmo até ao Reino Unido para estudar na Edinburgh College of Art e na Universidade de Londres – finda essa viagem, vai morar para Nova Iorque, onde era vizinho de Jasper Jones, Agnes Martin ou James Rosenquist. Ao seu lado, depois de se terem conhecido quando Indiana punha um postal de Matisse na montra de uma loja de material artístico onde trabalhava, estava também Ellsworth Kelly, que durante algum tempo foi seu namorado, recorda o New York Times.

O fim da sua relação ditaria uma outra história sobre LOVE, como escreveu na monografia do artista a historiadora de arte Susan Elizabeth Ryan, citada pelo diário norte-americano. A primeira versão de LOVE eram de facto quatro letras e uma delas também inclinada - um U, desta feita, com as restantes letras a serem F, C e K. Um palavrão e um U inclinado que podia torná-lo um impropério, mas cuja história Indiana nunca decifrou publicamente desde esse ano de 1964.

Os estúdios destes artistas em Manhattan eram espaços onde de experimentação para apurar linguagens. O artista conta, no seu site, como Cy Twombly usou o seu estúdio durante o Outono de 1956 para preparar uma exposição, deixando para trás algumas telas ainda húmidas e cobertas com papel de jornal. Robert Indiana usá-las-ia como base para trabalhos seus.

Da pintura figurativa ou inspirada na natureza passava à abstracção e à escultura, que como muitos dos seus correligionários e contemporâneos tinha uma forte influência do quotidiano e dos objectos da paisagem comercial americana – no seu caso usa ícones de sinalização como as setas, imagens latejantes como as luzes das máquinas de flippers, números e palavras que se tornam séries de pintura e escultura. Uma das suas obras, The Black Diamond American Dream Nº2 (1962), um óleo, integra a Colecção Berardo, adquirida em 1993.

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American Dream é uma das suas séries mais reconhecidas e a aquisição de The American Dream, I, pelo director do MoMA lança a sua carreira. No mesmo ano, 1961, faz as suas primeiras pinturas com uma única palavra, e The American Dream, I, que considerava "um comentário à superficialidade da vida americana", é exposto no MoMA. EAT ("come") é um letreiro electrificado de enormes dimensões que põe na fachada de um dos Pavilhões da Feira Mundial de Nova Iorque (que atraiu enganosamente visitantes em busca de um restaurante), ladeado por trabalhos de Ellsworth Kelly e Robert Rauschenberg, e também é Eat (1964), um filme de 35 minutos feito com Andy Warhol em que Robert Indiana come um cogumelo. Outras palavras monossilábicas pintariam a sua carreira - "die", "hug" - e muitos números também, tornando-se parte da paisagem de várias cidades como peças de arte pública.

Adoptado na infância, dizia, segundo informa no seu site pessoal, ter vivido em 21 casas diferentes até aos 17 anos. Fala de "uma infância passada em trânsito" e da influência que tal teve na sua formação e imaginação. Serviu na Força Aérea e na juventude visita vários países europeus - a Europa reconheceria o seu trabalho anos depois, na década de 1960, com as primeiras exposições colectivas em que mostraria o seu trabalho. Vivia em Vinalhaven no que quase podia ser descrito como um exílio ou isolamento. 

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Indiana no seu estúdio em Vinalhaven DENNIS GRIGGS/CORTESIA DO ARTISTA

Considerava-se, como destaca o New York Times, vítima do sucesso de LOVE e do olhar sobranceiro que desde então a cena artística nova-iorquina deitava sobre si. "Ele era um artista consequente que é confundido com um one-hit wonder", com um artista capaz apenas de um êxito popular, como descreveria Maxwell Anderson, director do Dallas Museum of Art, ao mesmo New York Times. A reavaliação da sua obra, em curso nos últimos anos, levou à redescoberta de um trabalho "muito poderoso, tanto negro quanto celebratório, com camadas autobiográficas e referências culturais. Não é o trabalho superficial, optimista e cliché que algumas pessoas associam à sua escultura monumental", avisa Barbara Haskell, importante curadora do Whitney Museum of American Art. Em 2013, Haskell comissariou a mostra Robert Indiana: Beyond Love, que mostrava o seu trabalho para além da omnipresente palavra e obra - "Bem, demorou bastante" a acontecer esse recentrar do olhar do mundo das artes, comentou na altura o artista.  

No fundo, Robert Indiana espalhou LOVE, mas LOVE não era todo o Robert Indiana. O artista tinha manifestado a intenção de doar o seu arquivo "meticulosamente organizado", segundo o jornal especializado The Art Newspaper, ao Farnsworth Museum, no Maine, argumentando: "Eles foram mais bondosos comigo do que qualquer pessoa em Nova Iorque".   

Os seus últimos dias foram ensombrados por uma polémica, noticiada na véspera da sua morte: na sexta-feira, a Morgan Art Foundation, que se apresenta como agente de Indiana há mais de 20 anos, deu entrada num processo judicial nos tribunais de Nova Iorque acusando a editora de livros de arte American Image Art e o cuidador de Robert Indiana, Jamie Thomas, de explorarem o artista, "enfermo e acamado". A agência argumenta que o isolamento de Robert Indiana nos últimos anos se devia ao poder dado a Thomas, a quem passou uma procuração há dois anos e que, segundo a agência Reuters, permitiu que a American Image Art lucrassem às suas custas.

As acusações dizem respeito à venda de falsificações de obras de Robert Indiana, ao que a editora diz que as obras em causa são autorizadas e, na sexta-feira, o seu gestor Michael McKenzie garantia que Indiana estava bem de saúde, apesar de algumas "ausências" devido à idade. O New York Times indica que alguns amigos de longa data e relações profissionais do artista se queixavam de que não conseguiam contactar Robert Indiana, não passando do seu cuidador. Uma delas, a sua antiga relações públicas e sua amiga Kathleen Rogers, disseram à agência Associated Press que recorreram mesmo às autoridades para investigarem o seu paradeiro. "Ele era reservado, caprichoso e difícil algumas vezes. Mas era um homem muito leal e carinhoso. Era um arquitecto do amor". 

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