“Casamento Escandaloso” (“The Philadelphia Story”), de George Cukor (1940)

Donald Ogden Stewart escreveu os argumento e os diálogos a partir da peça de teatro de Philip Barry e George Cukor, o realizador, pôs tudo isto a funcionar em conjunto. Admiravelmente

Poster de Casamento Escandaloso
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É por filmes como este que escrevo aqui semanalmente. São os que valem a pena tentar salvar da passagem do tempo e das modas, do esquecimento, do desconhecimento. São exposições de artes, várias, sabiamente congregadas e organizadas para nos dar a provar aquele tipo de experiência que raramente encontramos, porque não se pode fazer em série, o que não se dissolve na boca nem enjoa, o que se aprecia uma e outra vez, sem risco de se tornar banal. Comecemos pelos actores, que depressa se tornarão nossos amigos e que farão que queiramos visitá-los noutros contextos, noutras paragens: Cary Grant, Katharine Hepburn, James Stewart, Ruth Hussie. Mas não vamos respeitar a ordem do genérico: vamos começar por Katharine Hepburn porque é ela a figura-chave da história, é ela o centro à volta do qual praticamente todas as outras personagens giram – e é essa a origem dos seus problemas.

Katharine Hepburn (ainda à frente de Meryl Streep como a mulher que mais Óscares de actriz principal recebeu) é Tracy Lord, uma menina rica, elegante, desportista, sofisticada, modelo social de perfeição, mas que, por qualquer razão que desconhece (mimada, distante, sobranceira), viu o seu casamento com C. K. Dexter Haven desfazer-se. Dois anos mais tarde, fazem-se os últimos preparativos para o seu casamento com um novo-rico que parece ser carta fora do baralho. Verificamos que Tracy Lord é tudo aquilo que referimos, mas também irritante, o que a torna muito parecida com Katharine Hepburn, afectada por uma estranha mescla de amor-ódio por parte dos espectadores que lhe trouxe a classificação fatal de “veneno de bilheteira”. Este foi o papel que conseguiu reabilitar a sua carreira, um dos seus vários grandes momentos no cinema.

Cary Grant é C. K. Dexter Haven – um nome notável para qualquer personagem de qualquer filme –, o ex-marido de Tracy que se fez convidado para assombrar o casamento dela. É parte primordial na precisão e intensidade com que são travados os duelos de diálogos com que, simultaneamente, se mantém o tom humorístico do filme e se desmascara o outro lado da “majestade” de Tracy. É ele que lhe diz : “Nunca serás um ser humano de primeira classe nem uma mulher de primeira classe até aprenderes a ter algum respeito pela fragilidade humana”. Mais tarde, o pai de Tracy (John Halliday) acrescenta: “Tens tudo o que é preciso para ser uma bela mulher, excepto uma coisa essencial: um coração compreensivo. E, sem isso é como se fosses feita de bronze”.

James Stewart, que já conhecíamos de “A Mulher que Viveu Duas Vezes”, de Alfred Hitchcock, é Macauly Connor, repórter contrariado da revista de bisbilhotices “Spy”, com vocação para escritor de contos. Acompanhado pela colega e fotógrafa Elizabeth Imbrie (Ruth Hussie), discreta e subtil (que discreta e subtilmente o ama), vagueia pela casa imponente e mostra-nos com se sente deslocado naquele ambiente sumptuoso. Os divertidos comentários dos dois são interrompidos por uma das situações mais hilariantes. Vejam com atenção a actriz Virginia Weidler, com apenas 12 anos, no papel de irmã mais nova de Tracy, apresentar-se aos repórteres da revista “Spy” em fato de ballet, em pontas, cumprimentando-os e francês e depois cantando “Lydia, the Tattooed Lady” (celebrizada por Groucho Marx), enquanto toca piano. Donald Ogden Stewart escreveu os argumento e os diálogos a partir da peça de teatro de Philip Barry e George Cukor, o realizador, pôs tudo isto a funcionar em conjunto. Admiravelmente.

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Katharine Hepburn é a figura-chave da história DR
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