Começaram a rodar em 1964, quando os Animals gravaram "House of the Rising Sun". Já estavam a caminho de ser memória no princípio dos anos 1990, quando os Nirvana lançaram "Nevermind" e a banalização do CD portátil anunciava uma nova época quanto à portabilidade da música. Tinha chegado a hora do requiem para o "walkman", o verdadeiro antepassado do leitor de mp3 e o primeiro objecto que permitia pôr a música no bolso e andar na rua com os "headphones" postos. Ou para o gravador portátil de cassetes que se levava para a praia.
A cassete foi uma história de amor dos anos 1970 e 1980. A caixa de música de uma época. Era a forma mais simples e barata de ouvir música. Na era do analógico, era o que de mais parecido havia com o digital. Não havia Internet nem iTunes para ir buscar as músicas, nem gigas de memória para a armazenar. Mas podíamos perder noites a escolher pacientemente faixas de discos diferentes, construir os nossos alinhamentos e apagá-los quando quiséssemos. Também se gravavam álbuns inteiros. Era o tempo em que a rádio passava os discos de uma ponta a outra sem intervalos ou comentários. Alguns tinham mais do que os 45 minutos de cada lado da cassete. Era indispensável ter a precisão de um agente secreto de filme para abrir a tampa do gravador, virar a cassete de lado e logo a seguir carregar ao mesmo tempo nas teclas “rec” e “play”.
Os indígenas dos anos 70 terão estes gestos bem vivos na memória. A rádio dos anos 60 era o Em Órbita, que libertara o país de France Gall e Sylvie Vartan e abrira a porta aos Beatles e aos Stones. Um dos mantras do pós-25 de Abril – antes de António Sérgio e da revolução do punk e da new wave chamava-se Dois Pontos e passava de manhã; era o paraíso para quem pirateava os Genesis e os Pink Floyd. Dois pontos, gravar – e assim se fazia uma discoteca quando não havia dinheiro para comprar álbuns em vinil.
Era o iPhone jurássico, portanto. Simples, personalizado, descartável. Sim, porque a cassete gastava-se à medida que se iam gravando músicas por cima umas das outras. E estragava-se. Exigia competências técnicas apuradas. Usar uma esferográfica para rodar a fita quando começavam a emperrar. Tirar pacientemente a fita que volta e meia se enrolava no leitor de cassetes. Quando ela se partia, era preciso colá-la com fita-cola. O murro seco era uma opção comum neste ramo artesanal da engenharia magnética.
Herman José celebrizou (inventou) o artista da cassete pirata, sem dinheiro ou dignidade para gravar um aristocrático disco compacto ou em vinil, cujas canções eram vendidas e gritadas aos altifalantes em feiras manhosas por todo o país. A cassete era a canção do país de plástico. Em Portugal, como no terceiro mundo, aliás. Bastava atravessar o Mediterrâneo e desembarcar na Tunísia ou em Marrocos para ficar a saber que a música local era gravada em cassete.
Feia e vulgar, a cassete ficou para tia chata e solteira dos setentas e dos oitentas. O vinil conquistou os louros todos e tornou-se o objecto de culto da idade de ouro: respeitado como um vaso grego, admirado pelo som imperfeito, mas real, sedutor pelas capas, enormes para os padrões de hoje, e que serviam de palavra passe quando andávamos com eles debaixo do braço. Mas se um dia entrarem numa casa qualquer de um dos vossos antepassados e virem arrumada a um canto uma pilha esquecida delas ou um gravador de cassetes enferrujado pensem neles como a verdadeira caixa dos segredos.