Comissão Europeia acusada de impedir esforços das cidades para limitar o Airbnb
O boom do alojamento local tem tido um forte impacte no preço e na oferta de imóveis nos centros das principais cidades europeias. Em Portugal, entre 2014 e 2017, o número de casas registadas para arrendamento de curta duração mais do que quadruplicou.
As iniciativas de âmbito local tomadas por várias cidades europeias para travar a expansão de plataformas de alojamento de curta duração têm sido penalizadas pelas políticas comunitárias de promoção da "economia colaborativa", afirmam activistas ouvidos pelo diário britânico Guardian.
O aumento explosivo da oferta de casas e quartos destinados a turistas em plataformas online como o Airbnb ou o HomeAway tem motivado a contestação de habitantes de algumas das principais cidades europeias, que encontram cada vez menos imóveis para arrendar ou adquirir a preços acessíveis. O Airbnb, por exemplo, lista cerca de 61 mil habitações para arrendamento em Paris; 20.500 em Berlim; 19 mil em Amesterdão e 18.500 em Barcelona. Mais de metade dos anúncios – em algumas cidades, o valor sobe aos 85% – correspondem a apartamentos completos que estão disponíveis para turistas durante todo o ano, de acordo com dados do projecto InsideAirbnb. Mesmo em cidades onde o alojamento de curta duração é limitado por regulamentos locais, cerca de 30% das casas no Airbnb estão disponíveis durante três ou mais meses por ano, o que faz com que dezenas de milhares de residências sejam retiradas do mercado de arrendamento residencial de longa duração, penalizando os habitantes das cidades.
"O Airbnb está sob muita pressão ao nível local em toda a Europa, e estão a usar o poder das instituições da União Europeia para ripostar", explica ao Guardian Kenneth Haar, autor do estudo UnFairbnb, publicado pelo Corporate Europe Observatory. Haar diz que, embora possa ter começado como uma "comunidade" de pessoas dispostas a disponibilizar temporariamente os seus quartos ou casas a turistas, o Airbnb registou um enorme crescimento na Europa, desde 2014, e é actualmente uma poderosa instituição de lobbying. "Ainda se pode encontrar uma pessoa reformada a alugar um quarto livre [na sua casa] para fazer um pouco de dinheiro extra (…) mas uma fatia muito significativa [dos utilizadores que colocam casas na plataforma] corresponde a operadores comerciais que ganham muito dinheiro", o que está a causar impacto no acesso dos residentes locais a habitações de baixo custo, esclarece o investigador.
O Airbnb, por sua vez, tem negado que o seu serviço tenha um impacto significativo na oferta de arrendamento residencial. O que não tem impedido diversas cidades europeias de agir no sentido de limitar a actividade daquela plataforma. Em Janeiro, representantes de oito grandes municípios urbanos europeus escreveram uma carta à Comissão Europeia a exigir um novo enquadramento legal para as plataformas de arrendamento turístico. E várias cidades já restringem a actividade destes serviços, como Paris, Barcelona e Berlim. Em Amesterdão, por exemplo, w a partir de 2019, os holandeses só poderão arrendar os seus imóveis naquelas plataformas durante 30 dias por ano.
Mas estas iniciativas para assegurar o acesso dos cidadãos a casas a preços razoáveis e de manter habitantes nos centros urbanos têm sido limitadas, de acordo com os investigadores, pela vontade da UE de ver a "economia colaborativa" como um impulsionador da inovação e da criação de empregos. "A Comissão [Europeia] parece quase hipnotizada pela perspectiva de uma forte economia colaborativa e não está realmente interessada nas suas consequências negativas", explicou Haar. A European Holiday Home Association, da qual a Airbnb e a Homeaway são membros, apresentou uma queixa formal contra Barcelona, Berlim, Paris e Bruxelas, alegando "leis e restrições excessivas" que vão contra as directrizes da UE, segundo o Guardian. Se o caso não for resolvido entre a Comissão e os estados membros, a queixa poderá avançar para o Tribunal de Justiça da União Europeia. "Os decisores em Bruxelas parecem muito distantes das realidades locais. Se queremos defender o nosso direito à habitação acessível, esta batalha tem de ser travada agora", concluiu Haar.
Alojamento local em Portugal
Desde 2014 até ao final de 2017, o alojamento local em Portugal mais do que quadruplicou, tendo passado de cerca de 13 mil residências para mais de 55 mil registadas um pouco por todo o país, segundo dados disponibilizados pelo Turismo de Portugal. Estes empreendimentos turísticos localizam-se principalmente nos concelhos de Lisboa, do Porto e de Albufeira, sendo que a maior parte dos investidores são pequenos proprietários e microempresas.
Um estudo encomendado por três freguesias do centro histórico de Lisboa, apresentado em Janeiro de 2018, revelou que "é urgente" tomar medidas e estabelecer limites para o alojamento local (AL) – incluindo a revisão do enquadramento jurídico –, cuja expansão é vista como um dos factores de "transformação funcional" do centro da cidade. O estudo defende a intervenção dos municípios na regulação da oferta, também defendida pela Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor, assim como uma maior disponibilização de residências para arrendamento permanente.
Em Outubro de 2017, o Bloco de Esquerda apresentou no Parlamento um projecto de lei para limitar o AL a 90 dias por ano. O CDS-PP, o PCP, o PS e o PAN também já apresentaram projectos de lei sobre esta temática. Em Julho de 2017, já tinha entrado em vigor uma alteração legislativa que tornou obrigatório a identificação do número de registo do AL em plataformas como o Airbnb. Porém, benefícios para os proprietários dos alojamentos locais têm sido também discutidos. Exemplo disso é o novo regime contributivo, que se prevê entrar em vigor ainda este ano, que isenta as pessoas que dependem financeiramente do alojamento local do pagamento da Segurança Social.