“Não ando com um cartaz. As pessoas heterossexuais também não andam”
Sandra Cunha, do BE, acha que “o Parlamento deveria representar o mais fielmente possível a sociedade”
A socióloga Sandra Cunha, eleita por Setúbal nas listas do Bloco de Esquerda, nunca tinha dito isto a um órgão de comunicação social: “A orientação sexual não é visível – como o género, a etnia ou algum tipo de deficiência ou handicap –, embora muita gente não a esconda. Eu, por exemplo, não a escondo, mas não ando com um cartaz. As pessoas heterossexuais também não andam. Simplesmente, não escondem.”
A primeira pessoa abertamente homossexual a sentar-se no Parlamento foi Miguel Vale de Almeida, antropólogo nascido em Portugal em 1960. Entrou em 2009 como independente eleito por Lisboa nas listas do PS. Já era um dos mais conhecidos activistas pelos direitos LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexo) e tinha objectivos concretos: a lei que consagrou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a lei de identidade de género que permitiu mudar o nome próprio e a menção ao sexo nos documentos sem tratamentos hormonais e cirurgias. Saiu em Janeiro de 2011, sentindo que os cumprira, embora esta última lei tenha tido de ser votada segunda vez.
Nas últimas eleições legislativas, voltou a haver só uma pessoa abertamente homossexual, Alexandre Quintanilha, cientista nascido em 1951, em Moçambique, casado com o escritor Richard Zimler, que conheceu quando vivia nos Estados Unidos. Eleito pelo círculo do Porto nas listas do PS, não se dedica a esses temas (preside à Comissão de Educação e Ciência).
Desengane-se quem julga que todos os outros eleitos são heterossexuais. “Há mais gente no Parlamento que também não esconde a sua homossexualidade”, afiança Sandra Cunha. Fazem a sua vida. Alguns até partilham parte dela nas redes sociais, o que quebra a separação entre a esfera pública e a privada. Só não falam nisso com jornais, rádios ou televisões.
Podem, simplesmente, não querer falar na sua vida privada. Podem nunca ter sido questionadas sobre esse assunto. Pode nunca ter vindo a propósito, como desta vez, que, para assinalar o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e para o Desenvolvimento, o PÚBLICO decidiu ver que diversidade existe no Parlamento.
“É deslocado estar a falar nisso, a não ser que haja uma entrevista em que isso é perguntado”, salienta. E fazê-lo, pelo menos para já, ainda implica sujeitar-se a ser alvo de notícia, o que comporta riscos. "Há algumas reticências, porque a vida privada das figuras públicas é escrutinada e a revelação da sua vida privada não as implica só a elas, implica também as pessoas que a rodeiam, que fazem parte dos seus círculos de amizade ou das suas relações familiares”.
Sandra Cunha integra a Comissão dos Direitos, Liberdades e Garantias. Participa na sub-Comissão para Igualdade e Não Discriminação. Faz parte do grupo de trabalho sobre parentalidade e igualdade de género e do grupo de trabalho sobre regimes eleitorais. Tem estado, por exemplo, a trabalhar na lei sobre a autodeterminação da identidade de género, que Marcelo Rebelo de Sousa vetou no passado dia 9 de Maio, e no regime jurídico de recenseamento de residentes no estrangeiro, que será sujeito a votação no próximo dia 24.
Os deputados têm pastas atribuídas e é nelas que se concentram. Podia ter ficado com outras. Ser mulher, lésbica, oriunda de uma família de emigrantes, ter nascido em França em 1972, ter vindo para Portugal ainda criança fazer a escolaridade, ter andado cá e lá, ter optado por se fixar cá, ter um percurso como activista dos direitos LGBTI, não a obriga a interessar-se por temas relacionados com género, orientação sexual ou migrações.
"Uma coisa não implica a outra", salienta. "Estamos aqui para representar todos os cidadãos e todas as cidadãs." Não deixa, porém, de ver uma vantagem. "Acho que quem calça sapatos que são seus também tem uma sensibilidade acrescida. A empatia, que deve existir sempre, é invevitavelmente maior.”
No seu entender, “o Parlamento deveria representar o mais fielmente possível a sociedade”. Não é isso que acontece. "As pessoas que têm mais actividade política ou que estão mais disponíveis para a participação política são provavelmente as que têm mais oportunidades ao longo da vida." Ocorre-lhe o exemplo das mulheres. "Não será essa a razão principal, mas também pesa o facto de estarem mais ocupadas com o cuidado da casa e das crianças."