Ministério Público vê indícios de terrorismo em Alcochete. Nem todos concordam

“Para ser terrorismo teria de haver uma fundamentação ideológica”, critica José Manuel Anes. Juve Leo demarcou-se do sucedido.

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Um dos suspeitos à entrada do Tribunal do Barreiro LUSA/RUI MINDERICO

O Ministério Público assaca às 23 pessoas detidas pela GNR na sequência do ataque aos jogadores do Sporting em Alcochete um vasto rol de crimes. Entre os quais terrorismo.

Apesar de se tratar apenas de indícios, uma vez que a investigação ao sucedido só agora está a começar, a opção por imputar aos suspeitos um crime de semelhante gravidade e contornos não é pacífica. Para José Manuel Anes, que fundou o Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo e lecciona duas cadeiras sobre estes temas, usar esta designação para o que se passou terça-feira na academia do clube é confundir conceitos.

“O que se passou foi claramente hooliganismo, gangsterismo, crime organizado. Para ser terrorismo teria de haver uma fundamentação ideológica”, observa o especialista, que propõe que quem queira integrar uma claque passe a ter de apresentar um certificado de registo criminal. José Manuel Anes critica aquilo que considera ser a complacência dos clubes para com os comportamentos criminosos de alguns dos seus adeptos: “Nuns casos têm medo das claques. Noutros usam-nas para amedrontar adversários internos ou externos.”

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Também fundador do mesmo observatório, o antigo ministro da Administração Interna Rui Pereira tem uma posição diametralmente oposta. Foi dos primeiros a dizer, logo na madrugada de quarta-feira, que aquilo que sucedera escassas horas antes podia, de facto, configurar terrorismo, ainda o Ministério Público não se tinha pronunciado publicamente sobre esta questão.

“Temos um conjunto de indivíduos que se decidiram a concertadamente praticar crimes contra a integridade física e a liberdade dos atletas para os intimidar e os obrigar a um certo comportamento. Não se pode excluir de maneira nenhuma a hipótese de haver aqui um crime de terrorismo”, declarou o antigo governante na CMTV, remetendo para a lei de combate ao terrorismo aprovada em 2003.

Uma lei que classifica como associação terrorista “todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado, forçar a autoridade pública a praticar um acto (...) ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral”. A intimidação pode ser feita não só através de ameaças contra a vida de outrem como também contra a sua integridade física ou liberdade. Os autores deste tipo de crimes arriscam-se a uma pena de prisão entre dois e dez anos.

“As pessoas têm uma visão do terrorismo que não corresponde à configuração jurídico-penal deste crime”, justifica Rui Pereira.

Em comunicado emitido ontem ao final do dia, o Ministério Público explicou que estava suficientemente indiciado que os suspeitos entraram sem autorização nas instalações do Sporting, “tendo ameaçado e agredido jogadores e técnicos e causado estragos nos equipamentos, bem como em diversas viaturas”.

“Em causa estão factos susceptíveis de integrarem os crimes de introdução em lugar vedado ao público, ameaça agravada, ofensa à integridade física qualificada, sequestro, dano com violência, detenção de arma proibida agravado, incêndio florestal, resistência e coacção sobre funcionário e também de um crime de terrorismo”, referia a mesma nota informativa.

Até ao final do fecho desta edição não eram conhecidas as medidas de coacção que seriam aplicadas aos suspeitos, que foram sujeitos a interrogatório no Juízo de Instrução Criminal do Barreiro. A Juve Leo demarcou-se entretanto do ataque em Alcochete: “Não podemos admitir os ataques que nos têm sido feitos lá porque aparece uma pessoa com a camisola da claque.”

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