Com a linha circular, vai-se esperar mais pelo metro e haverá mais atrasos, dizem especialistas
Especialistas admitem que as curvas apertadas da linha circular vão obrigar “à redução da velocidade dos comboios” e a maiores gastos com a manutenção.
Quando Governo e câmara de Lisboa apresentaram, há um ano, a futura linha circular do metro da capital, dispararam as críticas à ideia de obrigar os passageiros que viajem de Odivelas, Lumiar ou Sr. Roubado a trocar de linha no Campo Grande para chegarem, por exemplo, ao Saldanha. Desde então, tanto os partidos políticos (à excepção do PS), como trabalhadores da empresa e especialistas têm-se manifestado repetidamente contra a opção.
Um dos argumentos apontados pelo Governo para o prolongamento de 1900 metros da linha e a construção de duas estações, na Estrela e em Santos, ligando assim o Rato ao Cais do Sodré, é a necessidade de ter mais carruagens a servir com mais frequência o centro da cidade. Mas, engenheiros e especialistas em mobilidade e transportes têm repetido que, da forma como a linha está pensada, a frequência do metro no centro da cidade não só não vai aumentar, como pode mesmo diminuir.
A linha amarela, que actualmente vai de Odivelas ao Rato, vai passar a ir de Odivelas a Telheiras. Os passageiros provenientes de Odivelas, Lumiar e Sr. Roubado passam a ter de trocar de linha, para a circular, no Campo Grande para chegarem ao Saldanha, a Picoas e ao Marquês de Pombal.
As complicações na circulação serão maiores, admite Mário Lopes, engenheiro civil que é um dos signatários de uma petição, lançada na semana passada por nomes de peso da mobilidade e dos transportes, para tentar travar a expansão do metro já aprovada pela Governo e que custará 265 milhões de euros. Como o perímetro é menor, e a distância entre estações é "muito pequena", será mais difcícil compensar os atrasos.
"Isto vai conduzir a espaçamentos mínimos entre comboios - entre o Campo Grande e o Rato - de 3 a 3 minutos e 40. Se metade dos comboios ficarem no Largo do Rato, a frequência no Cais do Sodré vai para 6 ou 7. E isto tudo se não houver problemas no cruzamento. Basta um atrasar-se, que se atrasa o outro. E os 6 ou 7 começam a ir parar a 8 ou a 9", explicou o também professor do Instituto Superior Técnico num debate organizado pelo PSD Lisboa no Hotel Roma, em Lisboa, na noite de terça-feira.
Durante a tarde, PSD e Os Verdes tinham levado o assunto à Assembleia Municipal ao apresentarem duas propostas pela suspensão da linha circular, mas ambas acabaram rejeitadas.
"É possível explorar - sem retirar a linha amarela até ao Rato - duas linhas em simultâneo. Não é que não funcione, mas vai funcionar com seis minutos de intervalo entre carruagens”, atira Fernando Santos e Silva, engenheiro e antigo trabalhador do Metropolitano de Lisboa, que é também um dos promotores da petição.
Apesar de ser tudo “tecnicamente exequível”, aponta Mário Lopes, o "pior" serão os “inconvenientes” que a nova linha vai ter: curvas apertadas, “que significam mais custos de manutenção” e obrigam à redução da velocidade dos comboios. "Um serviço de pior qualidade”, resume. “Qualquer perturbação, havendo tráfego intenso, paralisa toda a linha. É muito mais difícil recuperar as perturbações. É mais difícil retirar um comboio avariado [de uma linha circular]”, completa Santos e Silva.
A proposta do engenheiro é que não se faça a obra até ao Cais do Sodré. “Aquilo no Terreiro do Paço correu mal”, exemplifica, aludindo às dificuldades de construção em leito de cheia. Para o especialista, a linha poderia terminar em Santos, ligando a estação de metro à linha de Cascais por “viadutos com canteirinhos de flores para satisfazer as pessoas”.
A melhoria do acesso, de quem chega diariamente ao Cais do Sodré de comboio e barco, ao chamado Eixo Central (avenidas Fontes Pereira de Melo e da República) é, de resto, outros dos argumentos que, no entender do Governo, justificam a criação desta linha circular.
“Se a Linha Amarela em vez de fazer Rato - Cais do Sodré, fizesse Rato, Estrela, Alcântara Terra e Alcântara Mar fazia o mesmo serviço. Os passageiros teriam uma ligação directa ao Eixo Central e ainda poupavam três minutos”, sugere Mário Lopes.
Com a linha circular, cuja construção deverá arrancar no próximo ano, quem vem da zona norte da cidade terá o acesso mais dificultado ao Eixo Central, já que obrigará os passageiros a fazer transbordos.
“Nós não precisamos de piorar as ligações das pessoas que vem do norte de Lisboa para melhorar o acesso ao centro da cidade das que vêm de Cascais”, nota o professor do Técnico, pondo em cima da mesa alternativas como a extensão da linha Amarela a Alcântara, ou o prolongamento da linha vermelha para Alcântara, assegurando o interface com a linha de Cascais por viaduto.
“As alternativas não foram devidamente estudadas. Esqueceram-se da extensão a Alcântara que era o que estava no plano estratégico de 1974”, atirou Fernando Santos e Silva, continuando, assim, a zona ocidental da cidade sem cobertura do metro.