Nem no pior cenário irá arder tanto este ano como em 2017

Mesmo que tudo voltasse a conjugar-se para alimentar as chamas neste ano, o impacto seria menor. Porque muito já foi destruído. Mas ainda há zonas do país vulneráveis. A prioridade vira-se agora para os comportamentos de risco.

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Programa Nacional de Redução de Ignições de Incêndios Rurais foi apresentado nesta segunda-feira LUSA/NUNO FOX

Nestes últimos anos, mesmo décadas, é sobretudo o fogo que tem andado a varrer os combustíveis nas zonas rurais. Este ano houve um esforço acrescido de limpeza em volta das casas e zonas urbanas mas em meio florestal há muito por fazer. É aí que persiste o risco, um perigo que já não está ao nível dos dois anos anteriores dada a destruição – e tragédia – que enegreceu boa parte do país. Mesmo que em 2018 se conjugassem novamente as condições meteorológicas extremas que ocorreram no ano passado, a área ardida não deveria ultrapassar os 300 mil hectares – contra os 540 mil de 2017. Uma barbaridade, mesmo assim. E, chegados aqui, as baterias apontam-se agora para as ignições, com as queimadas e fogueiras no centro das preocupações.

As contas são de Paulo Fernandes, que fez parte da Comissão Científica Independente que analisou os fogos do ano passado. Através de um modelo matemático onde se incluem variáveis como a meteorologia e área ardida nos seis anos anteriores, traça diferentes cenários. O mais grave, o que implicaria condições novamente muito extremas, aponta para um máximo de 300 mil hectares de área potencialmente ardida.

Um cenário extremo, é certo, mas de qualquer forma a evitar. E enquanto no Inverno a tónica foi para a protecção de vidas e bens, com a obrigatoriedade de limpeza em volta das zonas urbanas e casas, agora, com o Verão à porta, as preocupações vão para as ignições. Um capítulo, também este, onde Portugal tem ainda muito para andar. “De qualquer forma, as ignições baixaram muito desde 2000. Das que ultrapassam um hectare, passámos de 8000 para 3000”, diz Paulo Fernandes. Porquê? Maior consciencialização “mas também menos pessoas nas zonas rurais”, acrescenta o investigador. Mas a área queimada não regrediu na mesma proporção. A acumulação de combustíveis continua a ser o osso mais duro de roer.

O certo é que a principal causa dos incêndios no país é humana, a maioria por negligência. Só as queimadas são responsáveis por 38% das ocorrências. Segue-se o incendiarismo (27%) e os reacendimentos (12%) entre muitas outras causas, como o uso de maquinaria que pode provocar faíscas. Para tentar minimizar estes riscos, foi nesta segunda-feira apresentado o Programa Nacional de Redução de Ignições de Incêndios Rurais, da responsabilidade do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Rui Almeida, coordenador do Sistema Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, explicou que um dos pilares deste programa é a informação, isto é, o ICNF irá disponibilizar uma análise diária onde se identificam os locais de perigo e onde são mais prováveis os reacendimentos, partilhando-a com as autarquias e as outras entidades que estão no terreno para se tentarem controlar as ignições tanto através da sensibilização como da fiscalização e vigilância.

O facto é que o uso do fogo é uma prática comum nas zonas rurais. É assim que muitos queimam os sobrantes ou abrem pastagens. "Mas se foi possível reduzir o risco associado aos foguetes, também será possível mudar estes comportamentos de risco" associado às queimas, acredita António Costa, primeiro-ministro, que falava após após a apresentação do programa de redução das ignições.

Foi, por isso, criado um regulamento que, entre outras medidas como a declaração da intenção de proceder a queimadas, prevê o acompanhamento destas práticas de forma a tentar melhorá-las. Esta semana, adiantou Rui Almeida, terá início uma acção piloto em nove concelhos, que será alargada aos municípios prioritários até final de Junho e aos restantes até Outubro, e teve já início a operação “queimadas seguras”, em que a GNR irá acompanhar o uso do fogo.

Também foi através das chamas que se realizaram, mas apenas na última quinzena, algumas limpezas de combustíveis. Havia autorizações para se usar fogo controlado em 5730 hectares e fazer queimadas em 5386 hectares mas as condições meteorológicas - primeira a seca e depois a chuva - apenas permitiram que 10% destas acções fossem cumpridas até agora, adiantou o responsável do ICNF.

Irá também ser criado um sistema informático e uma linha telefónica para se pedir autorização para as queimadas. Esta só será dada se houver condições favoráveis mas no período crítico continuarão proibidas.

A fiscalização será reforçada nas áreas mais críticas e ainda esta segunda-feira foi assinado um protocolo com as forças armadas – o plano Faunus - para que estas participem também na vigilância e sensibilização das populações em 44 zonas do país e que incluem as áreas protegidas, os perímetros florestais e as matas nacionais.

Nestas últimas duas zonas, sob responsabilidade do Estado, foram, neste ano que passou, intervencionados 1600 hectares à volta de aglomerados e casas, adiantou Miguel Freitas, secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural. Quanto às faixas de combustível, já se tratou de 700 hectares dos 1400 previstos para este ano.

Persiste o problema de fundo – o resto da floresta, sobretudo nas zonas de coberto vegetal mais contínuo e menos geridas. Que coincide com a área de minifúndio. A resposta é conhecida: reunir os proprietários na gestão. Há várias medidas em andamento, mas ainda mesmo no início, como as unidades de gestão florestal, as entidades de gestão florestal e a criação da empresa nacional de gestão florestal.

Mas há outras frentes de ataque: “Temos de dizer à indústria que precisa de se envolver na produção florestal. Já reunimos com a fileira da cortiça, que levámos ao pinhal interior para avaliar a possibilidade de aí criar novas áreas de sobreiro; com as celuloses e já há um projecto-piloto em Mochique e no Buçaco em que eles apoiaram a limpeza e a aquisição de adubos; e com a fileira do pinho, que tem de se envolver e estabelecer acordos com as zonas de intervenção florestal e as unidades de gestão florestal”, adianta Miguel Freitas.

Há 40 anos de problemas acumulados que não se resolvem num ano, admite João Soveral, da Confederação dos Agricultores de Portugal. Muito irá depender da meteorologia, sobretudo nas zonas que ainda permanecem em risco – porque não arderam, sublinha. Mas não podemos fazer como o pós 2003/2005: muita preocupação nos anos a seguir, em que a probabilidade de voltar a ter incêndios tão catastróficos é mais reduzida. O que depois acaba por alimentar uma sensação de falsa segurança, alerta Paulo Fernandes. Este é um trabalho de décadas. Mesmo que agora venha alguma bonança.

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