Na lição de europeísmo de Marcelo, Portugal é um bom exemplo
O Presidente da República participou numa conferência sobre o Estado da União Europeia e surpreendeu com o seu estilo descontraído.
Foi uma conversa, que podia ser uma aula; um discurso que fluiu como uma troca de ideias: numa curta visita a Florença, nesta quinta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa usou todos os trunfos, recorrendo à sua experiência de professor universitário, líder partidário, analista e comentador político e Presidente da República de Portugal, para deixar a várias audiências uma mensagem forte sobre a importância e indispensabilidade da Europa no mundo. Foi uma mensagem sobre a oportunidade, mas também responsabilidade, que a União Europeia deve saber aproveitar para reafirmar o seu protagonismo “como instrumento de paz, de concórdia, de diálogo, e de ponte entre realidades” diferentes e que, por vezes, “não se entendem”.
O Presidente da República foi o cabeça de cartaz que encerrou o primeiro dia de trabalhos da conferência The State of the Union promovida pelo Instituto Universitário Europeu de Florença. Instigado pelo editor para a Europa do Financial Times, Tony Barber, para se pronunciar sobre várias questões do dia na arena internacional — da proposta apresentada pela Comissão Europeia para o próximo quadro financeiro plurianual 2021/27 ao estado da aliança transatlântica na era de Donald Trump—, Marcelo insistiu que todos esses desafios exigem uma “Europa forte e unida”, capaz de atacar com determinação os problemas difíceis, e de encontrar soluções com imaginação para responder aos anseios das populações — muitas vezes atraídas para “movimentos inorgânicos de contestação” por não se verem representadas ao nível político. “A política é como o Direito, estão sempre a ser ultrapassados pelos acontecimentos”, notou.
O Presidente preferiu sempre dar respostas “que não fossem portuguesas mas europeias”. Fê-lo em referência à necessidade de vencer as dicotomias Este/Oeste, Norte/Sul ou contribuintes/beneficiários para que as negociações sobre o próximo quadro orçamental da União Europeia (que, tal como António Costa, quer ver concluídas antes das eleições europeias) sejam produtivas. “É um tema difícil e uma decisão delicada. Ninguém ficará completamente feliz. Mas penso que é possível encontrar uma maneira de evitar estas separações” para fechar um orçamento que seja “mais ambicioso, equitativo e justo” do que a proposta que foi divulgada.
Também o fez ao falar sobre o Presidente dos Estados Unidos e a sua recente decisão de abandonar o acordo nuclear com o Irão, que classificou como “lamentável”. “Havendo tantos problemas no mundo, este era dispensável. Mas uma vez que ele foi criado, a Europa volta a ter um papel essencial”, argumentou. “Quem pode construir as pontes entre as duas realidades? Não é a China, não é a Rússia, que também subscreveram o acordo. É a Alemanha, a França, o Reino Unido, é a União Europeia”, sublinhou. “Compete-nos a nós manter o que é vital neste acordo, que é importante para nós europeus, mas também para o mundo”, acrescentou.
Mas perante a dúvida de como pode o conceito europeu da solidariedade sobreviver às crises recentes e fracturas politicas do bloco, Marcelo não resistiu a citar o exemplo do seu país. “Em Portugal, mostrámos como é importante enfrentar os desafios sociais e integrar diferentes realidades no sistema, evitando radicalismos e populismos”, afirmou.
Esse já tinha sido o seu guião durante um encontro informal com a comunidade académica portuguesa que estuda e investiga no Instituto Universitário Europeu. Encantado com a paisagem toscana, Marcelo assinalou o “luxo” que é poder mirar o contorno da cúpula do Duomo desenhado no horizonte da cidade de Florença a partir da escola. Mas ainda maior é o luxo de se poderem dedicar estudos “tão vitais” como são os europeus e que nem sempre merecem a devida atenção. Nesse sentido, apelou à inspiração dos estudantes para reforçar a vertente da pedagogia europeia, “também em Portugal, onde ainda é insuficiente”. “Não chega que os principais protagonistas estejam de acordo quando se diz que gostamos todos da Europa”, considerou.
Tony Barber, já um veterano destas conferências, surpreendeu-se com a atitude descontraída de Marcelo, que falou sem constrangimentos ao contrário de que é habitual noutros líderes que debitam afirmações pró-europeias mais ou menos neutras. “Ele foi muito articulado”, avaliou.
A jornalista viajou a convite do Comité das Regiões da União Europeia