O bairro mais cool de Berlim não quer o Google como vizinho (nem a gentrificação que ele leva)

“Google vai para casa”. Sempre que o gigante norte-americano se instala numa cidade, essa mudança vem acompanhada do agravamento dos preços das casas. O que deixa os habitantes de Kreuzberg sem dúvidas: não querem o novo campus da empresa ponha em perigo a vida do bairro tal como ela é agora.

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Fabrizio Bensch/Reuters
Kreuzberg
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Fabrizio Bensch

A reacção dos habitantes do bairro berlinense de Kreuzberg aos planos do Google para instalar na zona um novo campus não deixa margem para dúvidas. “Fuck off Google” é apenas um dos muitos escritos nas paredes do bairro que indiciam que, ao contrário do que sucedeu noutras cidades onde já se instalou – como Londres, Madrid, Varsóvia, Telavive, Seul ou São Paulo –, na capital alemã a gigante norte-americana não terá vida fácil.

A contestação ao projecto que visa criar uma nova comunidade de empreendedores tem crescido nos últimos meses e a abertura do campus, que chegou a estar prevista para Setembro de 2017, foi entretanto empurrada para o Outono de 2018. Desde que foi anunciado, os habitantes deste bairro da antiga Berlim Ocidental – tido como um dos emblemáticos e criativos, onde coabitam estudantes e artistas, punks e antifascistas e a maior comunidade turca da cidade – recusaram receber o Google de braços abertos e no último ano organizaram-se para evitar que isso aconteça.

Desde palestras e manifestações à distribuição de jornais “Contra o Google, o desalojamento e o domínio da tecnologia”, há uma série de entidades locais activamente envolvidas no que dizem ser uma “ameaça ao seu modo de vida”, escreve o Guardian. Numa reportagem onde recolheu depoimentos que explicam o porquê da antipatia pela empresa californiana presidida por Sundar Pichai, o jornal britânico recorda que o preço das casas na capital alemã é um dos temas mais sensíveis do momento, tendo em conta que 85% dos habitantes vivem em casas arrendadas.

Além do turismo e da imigração, a cidade também tem atraído nos últimos anos um número crescente de empresas e startups. Todos estes factores conjugados terão contribuído para que o aumento das rendas tenha sido de cerca de 70% entre 2004 e 2016, de acordo com um relatório da consultora imobiliária Jones Lang LaSalle, citado pelo Guardian. Kreuzberg tem sido um dos bairros mais afectados com este agravamento de preços e os residentes não têm dúvidas de que se a Google se mudar para lá as rendas vão disparar e o processo de gentrificação será irreversível – o comércio local, os artistas e os moradores mais antigos serão obrigados a sair e a dinâmica cultural do bairro vai definhar.

Os responsáveis da livraria anarquista Kalabal!k que é palco, duas vezes por mês, das sessões “Anti-Google Café”, queixam-se que o local onde está previsto que o Google se instale é uma antiga subestação eléctrica, que hoje é utilizada para organizar eventos.

“Penso que o Google ficou surpreendido por ter encontrado oposição”, disse Stefan Klein, um activista local, do movimento GloReiche, numa das sessões abertas que organiza duas vezes por semana. Depois do trabalho, Klein e outros colegas dão aconselhamento a habitantes do bairro sobre problemas relacionados com a habitação (o tema dos despejos é recorrente).

“Onde quer que tenham aberto campi têm sido recebidos com aplausos”, disse Klein. “Talvez a gentrificação já tenha acontecido, como em Londres, ou a cidade deseje que isso aconteça, como em Varsóvia, mas aqui em Kreuzberg as pessoas não se deixam convencer”, sublinhou.

Uma porta-voz do Google assegurou que a empresa já falou com habitantes e que está a levar em conta o tema da gentrificação nos seus planos de instalação no bairro. “Também vivemos em Berlim, percebemos as preocupações dos residentes e sabemos como Kreuzberg se tem desenvolvido nos últimos anos”.

Muitos activistas e grupos organizados “já estavam a trabalhar nos temas da gentrificação, do desalojamento e da privatização do espaço público, por isso, quando os planos do Google foram anunciados, já estávamos organizados”, afirmou Konstantin Sergiou, membro do grupo Bizim Kiez. Sergiou é taxativo: quando se fala em “situações problemáticas” de alteração da realidade urbana, como em São Francisco, o campus do Google é uma das coisas que aparece sempre na equação.

Sergiou diz que os políticos têm estado muito empenhados em defender “a digitalização” de Berlim, mas que o seu grupo, e outros parecidos, estão preocupados quanto à natureza especulativa do modelo de negócio das startups: o facto de muitas terem vidas curtas leva a que os senhorios consigam aumentar os preços com regularidade, mantendo as rendas em pressão constante.

Florian Schmidt, do partido político Os Verdes (Bündnis 90/Die Grünen) defende que é preciso estabelecer pontes entre os dois lados. “Não quero que esta questão se transforme numa guerra contra a comunidade de startups, mas também não quero que seja o mercado a ditar as regras e que a vizinhança se altere drasticamente”, afirmou Schmidt ao Guardian.

Se o Google vier “terá de compreender que faz parte de qualquer coisa que está mesmo a assustar as pessoas… se uma empresa assim tão grande quiser juntar-se à comunidade mais cool, mais rebelde e mais criativa de Berlim – e quem sabe da Europa – então tem de haver uma maneira para que possa contribuir para salvar o bairro”, concluiu.

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