Contratar muito tem sido um obstáculo ao sucesso desportivo
Estudo revela uma relação estreita entre os bons resultados no relvado e a estabilidade dos plantéis. Entre as 35 Ligas europeias analisadas, a portuguesa é a segunda que mais reforços recruta.
Diyarbakirspor. O nome é difícil de pronunciar e o palmarés deste clube turco é muito modesto, mas chega a este texto como o exemplo paradigmático de um recordista de contratações. No arranque da época 2009-10, apresentava no plantel 96,4% de reforços. Uma equipa praticamente construída do zero e com resultados assustadores: recém-chegada à Süper Lig, foi despromovida nessa mesma temporada, baixando sucessivamente de escalão até aos campeonatos amadores. Este é, naturalmente, um caso extremo, mas serve para ilustrar uma tendência patente no futebol europeu, a de que a fúria no ataque ao mercado de transferências é, maioritariamente, inimiga do sucesso desportivo.
Os dados são compilados pelo Observatório do Futebol (CIES), que se debruçou sobre o primeiro escalão de 35 países europeus para concluir que a estabilidade na composição e gestão dos plantéis é um contributo relevante para chegar aos títulos. Entre 2009 e 2017, o período analisado pelo estudo, os campeões nos chamados “Big5” (os campeonatos inglês, espanhol, alemão, italiano e francês) apresentaram, em média, um reforço por cada quatro jogadores da equipa. Um número que foi levado ao extremo pelo Bayern Munique em 2016-17, quando registou apenas 9,1% de contratações.
Se olharmos para os campeões por país, concluímos que a Liga espanhola ganha lugar de destaque. É verdade que, contando à partida com os melhores jogadores, a necessidade de fazer acertos no plantel é menor, mas não é uma pista de interpretação suficiente para explicar, por exemplo, a clivagem entre Espanha e Itália: os vencedores da La Liga contaram, em média, com 20,8% de novos jogadores, enquanto os da Série A chegaram, no período considerado, aos 33,4%. Em Portugal, o valor em causa atingiu os 38,4%.
Neste exercício comparativo, a Liga portuguesa pende mais para a instabilidade, para a volatilidade na definição do elenco das equipas, do que os mais poderosos campeonatos do continente. Basta ver, a esse respeito, que nos últimos nove anos foi o segundo país que mais contratou (52% de jogadores novos nos emblemas da competição), só ultrapassado por Chipre (57,7%). De resto, acima da barreira dos 50% há apenas quatro Ligas (como pode constatar-se na infografia em cima), estando Portugal ladeado por campeonatos sem grande expressão competitiva no panorama europeu.
Um retrato global deste fenómeno permite também detectar que, em Outubro de 2017, os reforços assegurados pelas principais equipas das 35 Ligas da Europa representavam 44,9% dos futebolistas dos plantéis. Um total que traduz uma subida de mais de oito pontos percentuais face a 2009 (36,7%) e que conduz a uma conclusão preocupante: “Se esta tendência se mantiver, os jogadores que permanecem durante mais de uma época no mesmo clube representarão, em breve, menos de metade dos elementos do plantel”, alertam os autores do estudo.
Face a um mercado em que a mobilidade é há muito a palavra de ordem, e em que os próprios mecanismos de transferência são hoje muito mais expeditos, 11 países atingiram no ano passado números recorde de novos jogadores (e neste conceito não entram os atletas promovidos dos escalões de formação). Entre eles contam-se França, Bélgica, Rússia e... Portugal, que, na qualidade de país essencialmente exportador/vendedor, tende a compensar fora de portas as saídas de activos, descurando os produtos das academias. A este factor acrescem diferenças culturais na abordagem ao mercado, já que os países escandinavos (Dinamarca, Suécia e Noruega) e a Alemanha (com a Bundesliga a surgir como uma das provas mais cotadas) ocupam o extremo oposto da tabela.
A ideia de que a estabilidade conduz a melhores resultados é também medida pelo CIES através de um indicador de performance desportiva. Esta tabela dispõe que, à medida que vão apresentando jogadores com ligações mais duradouras, os clubes tendem a melhorar as prestações — os emblemas cuja média ronda os 31% de reforços são os mais bem sucedidos, com a relação a deteriorar-se à medida que as contratações vão aumentando.
É verdade que as instâncias decisórias, como a FIFA e a UEFA, têm dado passos no sentido de apertar o crivo nas transferências, com a introdução de maior transparência no processo, através do Transfer Matching System e da limitação imposta aos fundos que negoceiam parte dos passes dos atletas. Mas há ainda muito caminho a percorrer para impedir que os interesses de alguns agentes (empresários e dirigentes) se sobreponham ao interesse dos clubes.