Straw Patrol: vamos acabar com as palhinhas de plástico?
Para combater a poluição dos oceanos, Carla Lourenço criou um projecto que quer reduzir os milhões de palhinhas utilizadas, por ano, em Portugal. O próximo passo é convencer os donos de estabelecimentos comerciais a banir o seu consumo
Foi uma conferência sobre microplásticos que despertou a atenção de Carla Lourenço para a poluição dos oceanos. Mas um vídeo com o qual se cruzou, pouco tempo depois, na Internet, tornou-se o incentivo que precisava para agir. O resgate de uma tartaruga na Costa Rica, encontrada com uma palhinha de plástico de cerca de dez centímetros presa no nariz, impressionou-a. “O vídeo foi o clique para pensar no que poderia fazer na minha área e que fosse capaz de passar uma mensagem às pessoas”, recorda. Isto foi em Agosto de 2015. Carla Lourenço, bióloga marinha, decidiu conciliar o doutoramento com um projecto de sensibilização ambiental, tentando, assim, alertar para um problema: o lixo marinho.
A preocupação com o lixo abandonado nas praias e as consequências da poluição para os organismos marinhos fez com que a ideia de Carla, de 28 anos, se tornasse realidade uns meses depois. Em Janeiro de 2016 surgiu a página de Facebook da Straw Patrol e a jovem deu a primeira palestra de sensibilização na escola que frequentou em tempos, com o objectivo de “educar para a literacia dos oceanos” e levar as pessoas a mudar os comportamentos.
Todos os meses, por um ou dois dias, Carla pisa o areal de uma praia e começa mais uma acção de limpeza e recolha de lixo perdido, deixado por quem desconhece os perigos destes objectos para a vida marinha. Mas não está sozinha nesta luta. Ainda em 2016, Lia Laporta, uma antiga colega de mestrado, juntou-se-lhe e fundou mais um núcleo do projecto na Costa da Caparica, onde vive e também se dedica à limpeza das praias. Com mais quatro ambientalistas e um grupo de voluntários de todas as idades, na sua maioria estudantes, estas jovens munem-se de sacos de plástico e luvas e preparam-se para limpar uma praia que, à primeira vista, não parece estar suja. “Quando chegamos a uma praia sou sempre enganada porque penso que parece limpa", conta Carla ao P3, numa entrevista por telefone. "Mas quando começamos a remexer na areia tudo o que está enterrado aparece."
Mesmo à distância, Carla e a restante equipa não se limitam a promover um projecto para educar as pessoas e proteger os ecossistemas aquáticos. Procuram, também, reduzir o número de palhinhas de plástico que se acumulam nas praias portuguesas e que contaminam os oceanos. Não é por acaso que o logótipo do projecto é uma tartaruga feita de palhinhas de plástico. As acções de limpeza da Straw Patrol — ou patrulha da palhinha, em português — querem passar uma mensagem clara: “consumir menos plástico e produzir menos lixo é fundamental para reduzirmos a pegada ecológica”.
Para aí chegarem, já começaram a trabalhar numa nova campanha de sensibilização a pôr em prática em 2018. O primeiro passo é contactar o maior número de estabelecimentos comerciais (restaurantes, cafés, discotecas) e tentar convencê-los a banir por completo a utilização de palhinhas de plástico. “Se conseguirmos que, no espaço de um ano, 100 estabelecimentos mudem as suas práticas, vários milhares de palhinhas não vão parar aos oceanos”, defende a biológa. “Imaginamos que sejam várias as dezenas ou centenas de palhinhas que vão para o lixo todos os dias em cada estabelecimento, por isso uma ligeira redução já vai fazer a diferença.” Há pessoas que se queixam por não ter oportunidade de recusar uma palhinha porque esta já vem com a bebida e outras que a pedem quando não vem no copo. “Queremos fazer os clientes entender a importância de reduzir e dar a saber onde podem pedir uma bebida que vem sem palhinha”, explica.
A maioria das palhinhas de plástico consumidas não são depositadas no lixo nem recicladas, mas sim deixadas nos areais das praias e, inevitavelmente, despejadas na água, contabilizando entre cinco a 13 milhões de toneladas de plástico que todos os anos poluem os oceanos. Para dar uma ideia da gravidade desta situação, Carla Lourenço dá o exemplo da última limpeza que fizeram numa praia em Albufeira: numa só hora recolheram cerca de 450 palhinhas.
“Só resta alertar”
Na areia e nos oceanos estão escondidos objectos inimagináveis, que acabam por ser descobertos nas limpezas que Carla Lourenço e o grupo com cerca de 28 voluntários levam a cabo nas praias do Algarve e da Caparica. Cotonetes, fraldas, objectos associados a rituais religiosos, televisões, microondas, cadeiras e pedaços de banheiras completam uma extensa lista de lixo abandonado, a par de paus de gelado e beatas. No fim de cada procura, tudo é separado de acordo com três categorias — lixo normal, reciclável e reutilizável — e pesado. Já não é surpreendente o número de beatas (20.351) que recolheram nas 24 limpezas organizadas ou o número de palhinhas (1116), o lixo mais comum nos areais.
O trabalho de Carla Lourenço e da restante equipa não se esgota na limpeza das praias. Fora da areia tentam separar o que é material reciclável do que não é ou dar uma nova vida ao lixo recolhido. Mas estamos a falar de um número pouco significativo quando comparado com os objectos que são depositados directamente nos contentores de resíduos urbanos. “Aquilo que pode ser reciclado é apenas um pequeno volume. O plástico recolhido anda à volta dos 30%, mas apenas uma pequena parte, menos de cinco por cento, dá para reciclar”, sublinha a estudante do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve. O que resta pode ser reutilizado e transformar-se em novos artigos. As palhinhas, os balões, os brinquedos e outros objectos chamativos que a patrulha descobre são ainda utilizados para ensinar que não deveria ser normal espalhar lixo nas praias — e em quantidades absurdas.
A determinação da bióloga marinha manteve-se inalterada desde que começou o projecto: “Há um relatório recente que diz que em Portugal, por ano, se usam cerca de mil milhões de palhinhas de plástico e nada justifica este número”. “Não sabemos o impacto que a nossa iniciativa pode ter, mas levar alguns estabelecimentos a banir por completo ou a reduzir o uso de palhinhas já era uma vitória muito grande", garante. "Estamos a falar de milhares que não iam parar aos oceanos.”
Em menos de um ano de existência, a Straw Patrol já recolheu mais de uma tonelada e meia de lixo, retirado principalmente da Ria Formosa, e o número continua a aumentar. “Apanhamos sempre muito lixo nas praias e só nos resta alertar para este problema. Queremos despertar uma nova mentalidade para que o futuro dos oceanos não seja tão negro”.