Carlos Alves Ludovico é diabético há 14 anos. Não sente que a doença lhe tenha tirado muita coisa, mas percebe o quão desconfortável ainda é usar insulina num sítio público, quer pelo cheiro, quer pela injecção. A solução do português, a viver na Finlândia, foi criar o Sulin, um perfume — “99,5% de insulina e 0,5% de um elemento secreto”, lê-se no seu site — que rompe com o estereótipo. “Quis abordar a diabetes de uma perspectiva diferente”, diz ao P3.
Tudo começou por causa de um dos típicos anúncios a marcas de perfume que passam nas televisões na época pré-natalícia. A Diesel apresentava o seu Fuel For Life, mas para o designer experimental a mensagem não fazia sentido. “Calma lá, há aqui valores completamente desformados. O combustível para a minha vida é a insulina”. A este mantra juntaram-se as memórias dos amigos que comentavam o “cheiro peculiar” da insulina, quando Carlos tinha de a usar.
A promoção do produto foi feita à imagem de um qualquer perfume que paga a publicidade na televisão, como se vê no vídeo em destaque: acção, camisa aberta, sexualidade e o foco final no frasco. A ideia é colocar esta “condição”, como lhe chama, aberta ao diálogo e comunicar a doença como algo natural — afinal, a diabetes, em 2015, afectava cerca de 422 milhões de pessoas, segundo as estimativas mais recentes da Organização Mundial de Saúde.
Carlos Ludovico Alves, de 27 anos, quer apenas “reivindicar mais espaço para as pessoas com diabetes”, apostando na transformação dos objectos em narrativas estimulantes, tudo numa marca que construiu: a Studio Ludovico. Apesar de ter lançado o seu atelier, concilia o trabalho com a conclusão de mestrado em Design, na Universidade de Aalto, na Finlândia. O próximo passo poderá passar pela comercialização do perfume: “Enviei um email para pessoas dentro desta área e até acharam interessante”, conta. No entanto, não tem a venda do produto em mente, sobretudo por não pretender que o produto possa aumentar o preço da insulina.
O foco é, essencialmente, chamar a atenção para a diabetes e discuti-la. O português quer estimular o diálogo, para que seja um assunto mais natural para o público em geral. Basta pensar que, quando um diabético necessita de injectar insulina, muita gente ainda o "confunde com droga”.
Apesar de, juntos, os diabéticos representarem “o terceiro maior país do mundo”, como refere Carlos, não têm existido grandes progressos em relação à doença. “Todos os anos leio um artigo a dizer: 'A cura da diabetes chegou!'. E, passado uns tempos, vai-se…”, explica. Daí ter abraçado a missão de melhorar a comunicação desta doença que afecta milhões de pessoas.
Diabetes afecta mais de um milhão de portugueses
Há mais homens que mulheres com diabetes e são os mais velhos os mais afectados. É este o retrato mais sintético da doença a nível nacional, baseado no Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, publicado em 2016 e referente a dados de 2015. Estes dados, os mais recentes disponíveis, mostram que mais de um milhão de portugueses, entre os 20 e os 79 anos, são diabéticos. O Inquérito Nacional de Saúde com Exame Físico aponta na mesma direcção, mas acrescenta um dado relevante: a prevalência de diabetes nos adultos portugueses é superior à média europeia.
O Dia Mundial da Diabetes, que se assinala a 14 de Novembro, serve de mote para uma discussão alargada em vários pontos do país sobre os problemas que advêm da doença e as melhorias na qualidade de vida e na prevenção. Entre as várias actividades planeadas está a conferência A Mulher e a Diabetes, promovida pela Associação Protectora dos Diabéticos em Portugal, em Lisboa. Este ano, a efeméride é dedicada à relação entre as mulheres e a doença. A verdade é que, apesar de os homens serem mais afectados, há uma grande incidência de diabetes gestacional nas mulheres — um em cada seis partos —, o que aumenta o risco de, no futuro, desenvolverem diabetes tipo 2.
As crianças também são um grupo que desperta a preocupação do Ministério da Saúde. Apesar de o Programa Nacional para a Diabetes reconhecer 16 centros de tratamento que podem implantar um dispositivo de perfusão subcutânea de insulina nos menores de 14 anos com diabetes tipo 1 — evitando as várias injecções diárias —, ainda há 271 crianças em lista de espera. O retrato é mais animador se analisarmos o número de amputações provocadas pelo chamado pé diabético, que diminuíram 37%, entre 2010 e 2016. No entanto, este problema provocado continua a ter números elevados para o Programa Nacional para a Diabetes: quase três amputações por dia.
A Organização Mundial de Saúde prevê que, em 2040, o número de pessoas com diabetes em todo o mundo suba para 642 milhões. Em 2015, a doença provocou cinco milhõe de mortes, sendo cada vez mais frequente — o relatório global da Organização Mundial de Saúde indica que, desde 1980, o número de adultos diabéticos quadruplicou.
Até 2020, a preocupação em Portugal é definir metas para tornar a doença menos problemática e menos abrangente. O programa nacional pretende que, daqui a três anos, se diminua em 5% o número de mortes por diabetes em pessoas com menos de 70 anos. Ao nível da prevenção, o objectivo é precaver a doença em 30 mil pessoas com elevado risco e aumentar o número de diagnósticos que permitam detectar a doença.