A escola portuguesa que sonha ser um “uber para músicos” está a caminho de África
Nas escolas de Pedro Aibéo, aprende-se música como uma língua materna — e procura-se uma solução para os músicos que não conseguem sobreviver desse ofício. Depois de Helsínquia e do Porto, o engenheiro e arquitecto quer levar o método para o Benim
Pedro Aibéo garante que não foi ele quem pôs o carimbo à escola por ele criada, mas gosta de o usar em jeito de explicação: “É um Uber para músicos mas sem o profit” — que é como quem diz “sem o lado comercial”. Falamos da World Music School, uma academia estreada pelo arquitecto e engenheiro civil português em Helsínquia em 2014 e com uma sucursal no Porto há coisa de um ano. Agora, Pedro Aibéo está no Benim, na África Ocidental, a criar as bases para ali implementar a sua escola que procura ensinar música como se ensina uma língua materna.
A chamada telefónica vai correndo com alguns soluços. No Benim, a rede, tal como a electricidade, é intermitente — às vezes falham durante vários dias. E essas características serão também tidas em conta na reabilitação de um edifício para a nova escola, que quer, por exemplo, implementar energias renováveis. Palavra de arquitecto e engenheiro. Se tudo correr bem — e isso significa conseguir apoios financeiros para o projecto —, daqui a um ano a obra estará a decorrer. “Estou optimista”, confessou Pedro ao P3.
A ideia de África surgiu em Helsínquia, onde o português vive a maior parte do tempo. Nos eventos multiculturais da World Music School finlandesa promovem-se sempre culturas de diversos países e a africana esteve em destaque várias vezes nos últimos meses. Assim, Pedro Aibéo chegou a Villa Kara, uma instituição cultural do Benim com vários anos de trabalho, e começou a desenhar o sonho de uma escola noutro continente.
No Benim, o alinhamento das prioridades é outro. Ponto importante para esta missão: “apostar na educação das raparigas jovens”, afirma Pedro Aibéo. Naquele país, “a falta de infraestruturas é enorme e a natalidade exponencial” — e isso significa um enorme problema em mãos. Com a música, acredita, é possível ir construindo pontes que, pouco a pouco, mudem mentalidades.
O caminho é longo. No Benim, as mulheres não são parte desse mundo. “Dançam e cantam, mas tocar um instrumento não é bem visto”, explica Pedro. “Queremos mudar isso”, diz, ciente da ambição do projecto.
Voltemos à Uber. Em que se assemelha a filosofia da escola à empresa de serviços electrónicos na área do transporte? A World Music School criou uma plataforma online onde se pode dar e receber aulas de música. Se os artistas aceitarem participar em eventos promovidos pela academia ganham pontos que significam depois descontos nas aulas. O projecto está ainda em fase de experimentação — em Helsínquia e no Porto (Vila Nova de Gaia) —, mas é um modelo “com potencial”, acredita Pedro, 37 anos, para logo de seguida explicar o fundamento da ideia: “É muito difícil sobreviver no mundo da música. Isto pode ser uma ajuda importante para várias pessoas.”
Para Pedro Aibéo, a música tem de ser ensinada como uma língua mãe: “por repetição, em grupo, permitindo o erro”, explica. “E com um propósito social: a comunicação”. Porque a música é “uma excelente forma de fazer amigos”. Nas escolas dele, há eventos desenhados com esse fim em vista: “Vi muito isso na Alemanha: as pessoas juntam-se para tocar música do mundo e dançar. É óptimo.”
O erro, diagnostica, está no momento em que a música “passa a ser ensinada como performance e não como algo natural”. Não podia ser mais errado, defende: “A música é o som do coração da mãe a bater quando estamos na barriga, o andar do pai, o riso. Tudo é música, nós é que vamos perdendo a capacidade de o interpretar assim.”
A música esteve na casa dele desde pequeno, com o piano tocado pela avó. Mas foi na adolescência, por influência de um amigo que tocava guitarra, que se apaixonou irremediavelmente. “Dizia-lhe que já era velho para aprender, mas acabei por fazê-lo”, graceja. Foi Gonçalo Cruz, com quem mantém a amizade e que é também parceiro neste projecto, que fez a passagem da música pop para a tradicional. “Conheci o cavaquinho, depois a gaita-de-foles. Comecei a tocar aquilo a que hoje chamamos world music, a misturar o tradicional com o moderno”.
Nunca mais deixou de tocar. Fez o curso de engenharia civil na Universidade do Porto e quando terminou a licenciatura foi convidado para ir trabalhar para a Alemanha. Lá acabou por se render à arquitectura. Com a ajuda da música (tocou e fez até gaitas-de-foles para ajudar no orçamento), juntou ao diploma a arquitectura. Trabalhou em várias geografias. Mas foi-se desencantando quando começou a perceber “os podres” das profissões. “Corrupção diária. E tão estabelecida que já não era encarada como um problema mas como algo normal”, lamenta.
Dessa frustração surgiu uma mudança de carreira: dos ateliers passou para a investigação e criou um projecto chamado Architectural Democracy, que continua a alimentar e que terá novidades em Portugal em breve. Denunciou aquilo que via, o que lhe valeu vários processos judiciais postos por grandes gabinetes mundiais. “Não ganharam nenhum... mas isso é outra história”.
Um dia, em conversa telefónica com o amigo Gonçalo Cruz, lamentavam o estado das coisas — na música e no resto. “Quando desliguei pensei para mim ‘porque não faço eu algo?’ E fiz”. Passados dois anos, já construiu duas escolas, tem contactos de vários países (China, Itália) interessados em desenvolver projectos semelhantes, está a iniciar o sonho de Benim com o apoio Centro Cultural Africano Finlandês.
“Temo-nos esquecido que a educação, a arte e a cultura são fundamentais. A música é fundamental”, diz em jeito de declaração. E logo termina, explicando o cenário que o rodeia no momento da conversa, “um terraço rodeado de palmeiras, num país onde falta quase tudo”: “É mais importante apostar na educação do que nas infraestruturas. Havendo a primeira pode sempre criar-se a segunda. E tudo o resto.”