E quando um sismo como o de 1755 atingir o nosso país?

Não há muitas dúvidas quanto ao evento sísmico que atingirá o nosso país. A explicação para o estado letárgico de alerta em que nos encontramos actualmente relaciona-se apenas com uma característica comum ao “ser-se” português — negligência

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Não preciso de me apresentar, até porque faço parte daquela massa cinzenta anónima da Ciência que investiga individualmente e que é maltratado em conjunto, para dizer que estou à espera que isto abane. O “isto” é o país e o “abanão”, atenção, é o sismo — não quis fazer alegoria nem sentido figurado com a introdução crítica dos maus tratos à Ciência, embora me apetecesse “cismar” com magnitude suficiente para destruir o desinvestimento científico. Mas essas são outras ondas sísmicas, e terão lugar mais à frente... Quando tivermos a Ciência ainda mais atrás.

Ao que me refiro quando falo em abano é ao tremor de terra que certamente acontecerá no nosso país e nos apanhará de surpresa.

São já numerosos os estudos que referem a significativa periodicidade e recorrência sísmicas no nosso território. Investigações geológicas, paleosismológicas, geomorfológicas e até arqueológicas feitas nos últimos 20 anos referem que há um padrão sísmico que se repete a cada 200/300 anos numa zona de origem sísmica comum — que se situa a algumas centenas de quilómetros para sudoeste da nossa costa algarvia (embora se debata ainda hoje sobre a zona epicêntrica detalhada que originou o sismo de 1755).

Crescente é também o número de cientistas que se associa ao apelo de preparar o país, sobretudo as zonas costeiras centro e sul portuguesas, para um impacto sísmico idêntico em magnitude ao de 1755. O que reforça a importância deste aviso é o tsunami, ou onda gigante provocada por um maremoto, que se seguirá certamente se se verificar que o sismo tem epicentro no mar — como de resto aconteceu em alturas anteriores a 1755.

A explicação para o estado letárgico de alerta em que nos encontramos actualmente relaciona-se apenas com uma característica comum a todo o ser humano, e mais concretamente a todo o “ser-se” português (sim, agora vem a crítica...) — negligência.

Não há muitas dúvidas quanto ao evento sísmico que atingirá o nosso país, bem como todo o noroeste africano. As dúvidas que na comunidade científica especializada subsistem prendem-se somente com razões de ordem física, relacionadas com as escalas de magnitudes e intensidades, e de ordem social, relativas ao prejuízo económico e humano que teremos caso não sejam tomadas medidas de mitigação de risco sísmico.

Mais do que a esperança de ver este texto servir de alerta, tenho a vontade de partilhar a ideia de falsa segurança que se vive no nosso território. As construções actuais raramente cumprem os requisitos anti-sísmicos aconselhados, a ocupação costeira permanente não respeita a preservação das arribas e das praias e não são conhecidas as cartas de risco sísmico efectuadas para muitos municípios do centro e sul do país.

Qual hipertensão sísmica ou outra doença silenciosa, este risco mudo de um evento violento pode tornar-se numa catástrofe se não forem feitos exercícios de preparação e melhoramento eficazes. Caso contrário, nem conseguiremos perguntar daqui a uns tempos “onde é que estavas no dia do grande sismo?"

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