Ana transformou desperdício em materiais que podem ser “usados para quase tudo” — e o Ikea gostou
A Matter, startup que transforma lixo agro-industrial em materiais úteis que cheiram bem, é uma das dez escolhidas para um programa internacional do IKEA, na Suécia. É a única representante portuguesa
Da primeira vez que o P3 falou com Ana Lima, a arquitecta estava no UPTEC — Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto a dar forma à Matter, a sua startup, com letras que não eram de comer – mas podiam ter sido. Estava então a desenvolver uma forma de aproveitar desperdícios da indústria agro-alimentar portuguesa para a criação de objectos de design sustentáveis.
Quatro anos passaram e as tais letras, feitas com elementos que geralmente vão para o lixo, como a casca de arroz, borras de café e repiso do tomate, evoluíram. A fórmula foi afinada, o projecto alterado e hoje Ana dedica-se à criação de materiais de revestimento ecológicos conseguidos a partir de resíduos de café, chocolate e cerveja.
Foram estes blocos compactos e com diferentes texturas e cheiros (destacamos o do chocolate e do café visíveis nas imagens deste artigo) que chamaram a atenção do IKEA. E por isso é que quase no final do programa de aceleração na Porto Design Factory, a arquitecta está a ultimar os preparativos para passar os próximos três meses na sede do IKEA, na Suécia, a dar “o último empurrão” à sua ideia.
A Matter foi uma das dez startups a nível mundial escolhidas para integrar o primeiro bootcamp da multinacional sueca — e é a única empresa portuguesa a marcar presença. Ana suspeita que foi seleccionada devido à “sensibilidade dos materiais” que desenvolveu, que, além de serem sustentáveis e “100 por cento portugueses”, podem ser “usados para quase tudo”, seja mobiliário ou revestimento.
“No IKEA pode ser aplicado em partes de frente de cozinha”, exemplifica a arquitecta de 37 anos. Para este projecto tirou da gaveta os resíduos da cerveja, menos apelativos visualmente, mas que podem ser usados “como substituição da fibra de madeira, para aglomerados”. Algo que ganha ainda mais importância se tivermos em conta que o IKEA consome, sozinho, 1 por cento da madeira mundial usada em fins comerciais, segundo dados de 2013 do Pacific Standard. Já os painéis de chocolate e café, que têm feito virar cabeças de muitos arquitectos, podem aliar “a estética à funcionalidade”.
O gigante sueco que surpreendeu Ana (e vice-versa)
Antes de ser uma das dez escolhidas entre cerca de 1200 candidaturas, a Matter ganhou, no ano passado a Climate Launchpad em Espanha, acabando por representar o país — sim, uma portuguesa foi representar Espanha — às finais europeias da maior competição de ideias de negócio verdes, na Estónia. E a prestação correu tão bem que ficou nos dez finalistas, o que lhe valeu uma entrada no Climate-Kic Europeu, a maior parceria de inovação público-privada da Europa, focada nas alterações climáticas.
Foi aí, durante um programa de aceleração na Holanda, que conheceu os resíduos do chocolate (os mesmos que a equipa do IKEA “ficou a cheirar durante horas” nos dois dias de selecção em Älmhult, na semana passada).
Agora, de Setembro a Dezembro, Ana vai ter acesso “privilegiado aos laboratórios, às salas de prototipagem e ao know-how todo da empresa”, enquanto colabora com outras nove startups oriundas da Alemanha, Espanha, Suécia, França, Reino Unido, Áustria, Israel e Dinamarca.
“Se me perguntasses se há uns tempos eu tinha sequer sonhado com o IKEA”, confessa, “eu respondia que não”. O primeiro plano passava por apostar numa escala pequena de alta-gama e depois expandir, ou então, ficar só por aquele nicho do mercado. Mas ao fim de quatro anos de investigação, o método de transformação dos materiais está praticamente afinado “e, de repente esta ligação com o IKEA pode vir a abrir novas portas”, remata.