Desde sempre que me lembro de ouvir que um dos sentidos da vida é procurar a nossa metade da laranja. Vivemos com esse intuito. Muitas vezes ouvi que tinha um feitio particular e, como tal, encontrar a minha metade seria difícil. Mas, logo em seguida, asseguravam-me que “para cada testo, sua panela”, tentando aligeirar a preocupação que a afirmação de possuir “feitio especial” me pudesse trazer na consecução do objectivo de encontrar a minha metade da laranja. Mas a verdade é que sempre desconfiei do valor fidedigno da afirmação sobre o testo e as panelas. Seria mesmo assim? Teríamos mesmo, perdida no mundo, uma alma gémea que nos faria sentir completos? Assumo que sempre fui tendo as minhas dúvidas. Para começar, o que seria isto da alma gémea? Como poderia ter certeza que aquela era a pessoa certa?
Sempre achei que a alma gémea era aquela pessoa que conhecemos e com quem sentimos logo empatia. Aquela pessoa com quem podemos conversar horas a fio sem que o assunto morra e a vontade de conversar esmoreça. Aquela pessoa que se encaixa na nossa forma de pensar, na nossa forma de ver o mundo. Aquela pessoa que partilha dos nossos ideais. Aquela pessoa com quem não discutes, que te entende a maior parte das vezes e que também tu entendes. Aquela pessoa que te faz sentir que vale a pena partilhar os teus pensamentos e que, acima de tudo te faz sentir em paz.
À partida, se me fosse dado a escolher encontrar uma pessoa assim, acho que aceitava a oferta do destino e consideraria ter encontrado a pessoa que me poderia fazer acreditar numa longa vida a dois. Mas a verdade é que, não preenchendo todos os parâmetros, encontrei pessoas na minha vida que preenchiam uma grande parte desses requisitos e que, nem por isso passaram a ser os meus “mais que tudo”. Votei-lhes, e voto-lhes, um amor sem fim mas, o amor inerente à amizade. Encontrei pessoas que me fizeram pensar que, eventualmente, seremos almas velhas que se vão reencontrando e reconhecendo no mundo. Daí as afinidades, os pontos em comum. Contudo, essas “almas velhas” não deixaram de ser grandes amigos. Não eram “a alma gémea”.
Depois… a nossa vida leva-nos a cruzar com um outro tipo de pessoa, um tipo de pessoa muito raro. Raros por integrarem grande parte das qualidades que referi mas por fazerem, simultaneamente, pensar que esta é a pessoa certa, esta é a metade da laranja que se procurava, esta é a alma gémea.
Comunicar em silêncio
Uma das qualidades dessas pessoas é uma característica já enumerada: a facilidade de relacionamento entre as duas pessoas. Também nesta situação as duas almas se sentem muito confortáveis na presença uma da outra. Parece que se reconhecem, também, de outras vidas. Identificamos ainda, nessas pessoas raras, o facto de, quando as encontramos, a alma parecer relaxar. Ela, a alma, não necessita estar sempre atenta com receio do que poderá vir. Pode mostrar a sua vulnerabilidade porque confia, sem ter uma razão plausível para tal, no outro. Característica dessas pessoas raras é, ainda, o facto de o silêncio não se tornar pesado nem desagradável. Pelo contrário. Na presença uma da outra, estas almas parecem conseguir comunicar em silêncio. Os olhares, os toques, são mensagens perfeitamente entendidas por cada um. O silêncio mais não é do que uma outra forma de comunicação.
Mas, mais importante que tudo, e o que, quanto a mim faz toda a diferença, é a química que existe entre estes dois seres. Esta química, que se torna quase palpável para os restantes “mortais”, não pode ser apagada, destruída nem se consegue disfarçar. Esta onda de electricidade que perpassa entre os dois acontece, como é óbvio, no sexo mas, também, num simples olhar ou num ligeiro toque. E esta é, quanto a mim, a característica que cria a grande diferença entre almas que se reencontram e se reconhecem (as grandes amizades) e as almas gémeas. Esta rara conexão, esta energia que não se apaga ainda que ambos estejam afastados, oferece-nos a certeza que aquela é a alma pela qual temos aguardado toda a nossa vida e pela qual vale a pena lutar.
Contudo, não se pode ficar com a ideia de que todas as almas gémeas se reúnem de um modo fácil. Nem sempre a alma gémea vem no corpo ou nas circunstâncias de vida certas. O que quero dizer é que podemos reconhecer/identificar a alma como sendo a alma que procurámos toda a nossa vida mas nem assim vivermos o amor que acharíamos incondicional. Apesar da energia e do entendimento, as almas não se reuniram, a vida não lhes permitiu e cada um seguiu a sua vida por outro caminho.
Entristecem-me estas almas que afinal ficam desavindas. Fica a sensação que elas não viveram tudo aquilo que era suposto quando chegaram a este mundo. Fica a impressão de que algo na vida dessas pessoas ficou inacabado… Mas a verdade é que a energia entre essas duas pessoas não morreu. A energia fica à espera de uma nova oportunidade para reacender uma chama que continua latente. No fundo, fica a esperança que, cedo ou tarde, estas almas feitas para se encontrarem e continuarem juntas, lado a lado, viverão o amor que estava escrito para eles desde o início. Assim, estas almas darão razão à forma popular de falar da alma gémea, mostrando que o testo encontrou a sua panela. Assim, compreendi, por fim, que se pode ter certezas que as almas gémeas existem, de facto.