“Os Beatles da electrónica”. Era assim que Alan McGee, fundador da editora indie Creation, descrevia os Kraftwerk há uns anos, nas páginas do jornal The Guardian. A analogia é preguiçosa e não faz justiça nem ao quarteto de Liverpool nem aos filhos mais famosos de Düsseldorf, mas tem um mérito inegável: deixa bem clara a importância do grupo alemão e, nesse sentido, é um bom início de conversa (ou de texto). Deixa bem claro também porque é que vê-los no Neopop é tão especial.
Quando subirem ao palco, a 5 de Agosto, os Kraftwerk não vão ser a primeira banda, nem o primeiro nome histórico, a actuar no festival. Mas vão ser o maior nome que alguma vez por lá vai passar, e aquele que mais sentido faz neste contexto. Sem a sua influência fundadora, é difícil imaginar sequer que música estariam a fazer, a passar, a escutar, os artistas que vão estar em Viana do Castelo em Agosto; que estiveram lá em anos anteriores. Mais: sem a sua influência fundadora, é difícil conceber um festival como o Neopop.
A história dos Kraftwerk começa em 1970, com o disco homónimo de estreia, porém foi sobretudo a partir do quarto álbum, Autobahn (1974), que cimentaram o seu legado, casando com clareza e cautela a pop e as electrónicas. Lançaram as bases para o synthpop, o house, o techno, o trip-hop ou o electroclash. Deram pistas cruciais para o hip-hop e a pop digital contemporânea. Inspiraram lendas glam (a sua influência permeia Station To Station e os discos berlinenses de David Bowie) e bandas fulcrais do indie rock americano – os Big Black têm uma versão de Das Model/ The Model no seminal Songs About Fucking.
Johnny Marr, o guitarrista de The Smiths, disse um dia que a música dos Kraftwerk estava para a Alemanha como a dos Beach Boys estava para a Califórnia, no sentido em que era uma destilação perfeita de um lugar e de um tempo. Mas essa comparação, mais uma vez, não faz justiça ao corpo de trabalho dos alemães. A sua música é universal, e estava tão à frente do seu tempo que se mantém tão pertinente em 2017 como era em 1974, em 1981 (Computer World), em 1991 (The Mix), em 2003 (Tour de France Soundtracks).
A mais recente prova dessa longevidade é 3-D The Catalogue, documento definitivo da presente digressão com projecções em 3D. Editada em Maio, a caixa reúne oito discos gravados ao vivo que reproduzem, um por um, os sete álbuns de originais lançados entre 1974 e 2003 e ainda The Mix, de 1991. Há também uma edição em vinil com apenas dois álbuns em registo best of. Qualquer uma destas versões mostra como o grupo continua a injectar nova vida nas velhas canções.
É verdade que da formação original resta apenas Ralf Hütter e que não há música nova desde 2003, contudo isso não quer dizer que um concerto dos Kraftwerk, em 2017, se confunda com uma emissão de uma qualquer Rádio Nostalgia. A sua música vem do passado mas aponta para o futuro, existe para lá do tempo e do espaço. E por uma noite vamos poder ouvi-la em Viana do Castelo.