Paulo tem um autocolante vermelho na mão direita e outro azul na esquerda. Ana Barbosa Ribeiro, a técnica de terapia assistida, aponta para Mel – que tem também autocolantes coloridos iguais nas patas – e vai perguntando a Paulo, com seis e a frequentar o 1.º ano, (a pedido da escola não o identificamos pelo seu verdadeiro nome) qual corresponde a qual. A Mel é uma cadela golden retriever de 18 meses especialmente treinada para ajudar crianças com dificuldades.
Estas sessões de cinoterapia fazem parte de um projecto implementado na Escola Básica do Tovim, em Coimbra, pelo Centro de Apoio Social de Pais e Amigos da Escola (CASPAE), uma Instituição Particulares de Solidariedade Social, e envolve actualmente quatro crianças com autismo. O projecto funciona em contexto escolar. Além da cadela Mel e da técnica de terapia assistida Ana Ribeiro, fazem parte do projecto uma psicóloga e especialistas do estabelecimento do Agrupamento de Escolas Eugénio de Castro, que tem uma unidade de ensino estruturado para autistas.
A psicóloga Cátia Rodrigues, coordenadora do projecto de cinoterapia, explica que, depois de feito o diagnóstico das crianças, o plano de intervenção é desenhado de acordo com a necessidade de cada uma. Mel ajuda as crianças a treinar a capacidade de concentração, as competências sociais e de comunicação. Um dos objectivos é que “aprendam a ter comportamentos nos momentos adequados, como um bom dia, uma boa tarde, [a fazer] contacto visual com o outro ou a ter uma postura corporal adequada ao que está a sentir na altura”. Outro dos aspectos trabalhados é a psicomotricidade, como a diferença entre esquerda e direita, em exercícios como os que Paulo faz com os autocolantes.
O cão também tem horário
“As crianças com autismo têm hipersensibilidade a estímulos”, afirma Cátia Rodrigues, pelo que o simples toque no pêlo do cão já “é extraordinário para eles”. Olhar para a Mel é também terapia. “Por norma, uma criança com autismo não olha nos olhos de um adulto.” Mas se lhe pedem para descrever o focinho da cadela, a criança “vai indicar-nos os olhos e mantém-se ali a olhar”.
As sessões acontecem duas vezes por semana, podem ser em grupo ou individuais, e os exercícios dependem do plano de intervenção de cada criança. Para além das horas com a cadela, as crianças estão integradas em turmas com os restantes alunos. A terapia “influencia a interacção com os próprios colegas”, garante Carmen Cruz, coordenadora da Escola Básica do Tovim.
No sentido contrário, o facto de estes alunos frequentarem este espaço também tem efeito nas outras crianças da escola do Tovim. A responsável explica que ter contacto desde tão cedo com condições diferentes faz com que as restantes crianças lidem com a diferença e apreendam valores como “o altruísmo e a empatia”. Que “se coloquem no lugar do outro”, sintetiza.
O projecto está na fase-piloto e arrancou no final do ano lectivo passado. A presidente do CASPAE, Emília Bigotte, explica que há a possibilidade de alargá-lo a mais crianças, mas teria que envolver mais equipas e mais animais, o que está dependente de financiamento. “O cão também tem o seu horário de trabalho”, lembra a responsável, acrescentando que Mel e Ana Barbosa Ribeiro trabalham em regime de voluntariado.
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