Um (não) obrigado à mãe

Levantaste-me com força e eu ergui-me, que teria feito sem o teu apoio? Por ti, consegui "tornar-me", ser na "posição", que é a própria ambivalência entretecida de si mesma

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Jordan Whitt/Unsplash

1.a. Nasci torto e nunca me endireitei. Chorava a ausência do teu seio. A mama era o mundo, o mundo de fora saiu gato por lebre, nunca o quis, tive de o conter por tua culpa, foste tu que criaste o padrão de meu desassossego. Não queria andar, sequer. Levantaste-me à força e eu ergui a defesa com que me entortaria ainda mais. Por ti, nunca consegui "tornar-me", ser na "posição", para além da eloquência da divisão, da liquefacção em singularidades. O "outro" é uma predação, odeio o que jaz "direito".

1.b. Nasci torto e nunca me endireitei. Chorava a ausência do teu seio, e tu nunca mo goraste. A mama era o mundo, o mundo saiu gato por lebre, é uma bosta que me convenceste a tolerar, o teu padrão criou o meu sonho. Não queria andar, sequer. Levantaste-me com força e eu ergui-me, que teria feito sem o teu apoio? Por ti, consegui "tornar-me", ser na "posição", que é a própria ambivalência entretecida de si mesma. O "outro" é uma predação, suporto o que jaz "direito".

2. Nasci torto e nunca me endireitaria. Mas tu viraste o mundo ao contrário e eu acabei direito. Fundi-me no teu seio, a mama é o mundo, o mundo saiu gato por lebre, é uma bosta que não preciso de aguentar, o teu padrão é o meu, persiste a nossa cumplicidade. Por nós, não quero tornar-me, ser na "posição", o outro é uma predação, o que jaz "torto" é-me indiferente.

3. Nasci torto e lá me endireitei. Chorava a ausência do teu seio, a mama era o mundo, o mundo podia ser bem pior, sempre o quis, não tentaste criar um padrão inalcançável. Não queria andar, mas acabei fazendo-o sem pressas. Levantaste-me com carinho e eu ergui-me sem defesa. Consegui "tornar-me", ser na "posição", o outro é para ser amado.

4. Nasci direito e lá me entortei. Não tive direito a uma mãe.

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