Os eleitores já não querem marca branca

Entramos na era dos micro-poderes, dos movimentos de independentes que crescem rapidamente e podem desaparecer mais rápido. Os extremos partidários fortalecem-se, mas também podem cair abruptamente, arriscando o rótulo de marca branca enganosa

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Pascal Rossignol/Reuters

Na era da mundialização e da globalização o mundo acelera como uma centrifugadora, tendendo a homogeneizar tudo e todos. Conforme vão caindo barreiras, apesar de uma certa mania de querer erguer muros, nunca foi tão fácil viajar e ser aculturado, quer presencialmente quer por influências que nos chegam através das tecnologias de informação e comunicação. Pessoas e capitais deslocam-se com uma facilidade sem precedentes, quase tanta como a velocidade da difusão cultural e das ideias.

Abraçamos esse contágio cultural, como se fossemos novos mutantes. Nesta era da pós-modernidade podemos facilmente construir a nossa identidade, através de uma “bricolage” cultural, escolhendo as partes que gostamos e removendo as que incomodam. Vivemos numa sociedade em rede, mas que não foi inventada pelas redes sociais como o Facebook. Esse potencial para escapar aos limites do territórios e pertencer a outros grupos sociais e culturais já existia, as novas tecnologias de informação e comunicação apenas facilitaram essa tendência mais antiga.

Mas claro que há reacções. Tamanha liberdade tem alimentado a incerteza, flexibilidade e um desconforto por falta de um solo estável onde nos possamos ancorar a nossa individualidade. Se queremos ser livres e concretizar-nos num caminho para a felicidade que coloca o indivíduo, quase sempre como consumidor, no centro do universo, também queremos garantir a segurança da nossa autopreservação. Nem estou a falar de segurança contra o terrorismo, mas um tipo de segurança naquilo que somos e no que aspiramos vir a ser, onde as condições materiais são preponderantes para a realização do individualismo.

Nesta homogeneização globalizante, o ocidente vai perdendo o seu antigo poder, que era fortemente materialista apesar de ter sido defendido como fenómeno cultural. Há menos para suprir todos os desejos dos antigos “senhores”, daí as múltiplas reacções contra um sistema que é incapaz de nos dar tudo o que queremos: porque queremos sempre mais.

Se queremos segurança nas opções políticas para nossa comodidade material também queremos liberdade e inovação. Já não queremos marca branca e produto indiferenciado igual para todos, simplesmente porque queremos o melhor e algo que nos diferencie e realize individualmente. Queremos ter a esperança de ser felizes, vivendo assim a felicidade possível que tende a ficar pela vivência do curto prazo.

Entramos também na era dos micro-poderes, dos movimentos de independentes que crescem rapidamente e podem desaparecer mais rápido. Os extremos partidários fortalecem-se, mas também podem cair abruptamente quando não conseguirem cumprir o que prometem, arriscando o rótulo de marca branca enganosa: aquele rótulo actual que está a fazer mirrar os partidos de massas tradicionais.

Em Portugal apenas estamos a sentir levemente estes efeitos, mas cá chegarão com mais força. Fica a previsão, tão credível como qualquer outra coisa que já se desactualizou mesmo antes de se cumprir, pois o mundo não pára nem quer saber disso.

Este domingo, em França, tivemos uma amostra do que fui falando. Ontem fomos mais europeus do que o habitual. Hoje somos os mesmos de sempre: indivíduos que emotivamente tentam ser felizes num contexto mutável.

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