Um atentado terrorista em Fânzeres

Será que se eu for ali para a baixa de Fânzeres com o carro da minha mãe e uma faca de manteiga na mão também tenho o mesmo impacto?

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Jonas Ekstromer/TT News Agency via Reuters

O que têm em comum Mohamed Lahouaiej Bouhel, Anis Amri e Khalid Masood, perguntam vocês? E quem são estas pessoas de nomes em tudo distantes à nossa realidade de “Santiagos, Vicentes, Beatrizes, Bernardos e Martins”? São todos responsáveis por ataques terroristas, ou assim nos disseram, em cidades europeias, respectivamente Nice, Berlim e Londres através do uso de um veículo, carro ou camião, e estão todos mortos, ao contrário do indivíduo de nacionalidade Uzbeque, detido e não morto, Sexta-feira passada em Estocolmo, apesar de, e de acordo com as notícias veiculadas, se ter declarado prontamente culpado pelo atropelamento e morte de quatro pessoas, incluindo 15 em estado grave.

Pergunto-me então porque não procederam as autoridades suecas à execução sumária do “terrorista-muçulmano-refugiado-radicalizado-imigrante-violador-pedófilo-estrangeiro-negro-amarelo-vermelho” e de todas as cores menos branco, alto, loiro e de olhos azuis, até porque uma pessoa branca, alta, loira e de olhos azuis não pode de modo algum cometer um atentado terrorista e quando somos brancos, altos, loiros e de olhos azuis nunca somos parados, revistados, despidos, interrogados, questionados e detidos nos aeroportos, e ai de mim se tenho a peregrina ideia de deixar crescer o cabelo, bigode e barba mais o bronzeado de Verão de fazer inveja, e vão ver o que me acontece quando aterrar em Londres, se aterrar em Londres, e se calhar devia fazer a experiência, mau grado para a minha mulher que vai ter de viver com um homem das cavernas o mês de Agosto inteiro e as fotografias das férias todas estragadas.

E já que estamos no capítulo dos caucasianos-que-por-serem-caucasianos-não-podem-ser-terroristas, o que dizer de Thomas Mair, assassino confesso de Jo Cox, deputada Trabalhista, a 16 de Junho de 2016 em Birstall, Reino Unido? Não, dirão vocês, até porque o Thomas Mair não era muçulmano, quanto muito fascista, e portanto não podia ser terrorista. Não?

Porque infelizmente o medo nada tem de científico, e o bicho-homem teme tudo quanto lhe é estranho, por isso a xenofobia, o racismo, o medo, a força imensa da irracionalidade, no fundo o instinto, o nosso instinto, capaz de farejar o perigo à distância com um único fito em mente: sobreviver. E por estarmos todos, ainda e hoje, cinco milhões de anos depois e em pleno século XXI, à procura de sobreviver, temos medo, muito medo, bastando, como no recente atentado em Londres, um homem com um carro e uma faca para aterrorizar a Europa inteira.

Será que se eu for ali para a baixa de Fânzeres com o carro da minha mãe e uma faca de manteiga na mão também tenho o mesmo impacto? Duvido, até porque o Sr. Alberto dos frangos não demorará a arrastar-me para fora do carro, prontamente aplicando duas lambadas cirúrgicas de modo a exorcizar todo e qualquer radicalismo da alma deste que vos escreve. E a seguir duas semanas de castigo sem sair à rua ou brincar com os amigos, de pouco importando os meus 38 anos, porque quando um filho se arma em parvo de pouco nos vale a idade quando a mãe está logo ali ao lado para nos puxar as orelhas.

Mas agora a sério, e voltando aos acontecimentos de sexta-feira em Estocolmo, e repetindo a questão acima, porque não procederam as autoridades suecas à execução do indivíduo Uzbeque depois de uma troca de tiros em tudo igual a acontecimentos anteriores? Porque foi o indivíduo detido quando já toda a gente sabia que na sua página do Facebook havia feito um “like” aos atentados de Boston? Boa, acabei de fazer o mesmo na minha página pessoal, e até tornei o “post” público, que é para toda a gente ver! E agora, não me querem dizer? Por acaso uma opinião estúpida faz de mim um terrorista, ou um “simpatizante do Estado Islâmico”? De acordo com a imprensa jornalística, sim. De acordo com a polícia sueca, não. E se por um lado eu não sou um elemento da autoridade (aliás, se há coisa que eu não tenho é autoridade, basta colocarem-me diante de uma turbe de criancinhas do 8º ano de escolaridade e vão ver), por outro sei muito bem que à polícia lhes basta atirar às pernas de uma pessoa para a prender sem matar, porque a seguir à prisão vem o interrogatório e eu estou deserto para saber, e compreender, um pouco mais das motivações de quem comete um crime desta natureza. Não um atentado, e muito menos terrorista, quando já me cansa esta conversa dos media e dos governos a querer expiar todas as culpas nos milhões de refugiados que todos os dias batem à porta da mesma Europa que lhes tirou as vidas, as casas e os seus países de origem.

Por tanto, os meus parabéns à polícia sueca. Os polícias também sabem pensar, não se limitando ao cumprimento das ordens e normas.

Agora ouçamos o que o indivíduo Uzbeque tem para dizer, saibamos julgá-lo e prendê-lo, sem que por isso se cometa mais uma morte e se verta mais sangue, numa demonstração em tudo superior e em sintonia com a sociedade moderna que um dia nos propusemos ser.

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