O que uma dor de barriga não nos faz pensar? Se não nos faz pensar, ao menos, faz parar e sentir. Isso também vale para a cabeça, o ouvido, a garganta, o pé, o dente e onde mais der. A dor tem efeito didático, pois nos retira da inércia e do estado estático, pondo-nos no estado catártico. Dói ali e dói aqui, mas quando dói, é o corpo dizendo: “Ajuda-me, tem alguma coisa errada em ti!” Dor é exercício de trazer atenção à vida e à existência. Não sente dor quem não vive e, logo, não existe. Não existe dor sem vida, nem vida sem dor. Não existe existência sem vida e, de pronto, não existe existência indolor.
Sentir a dor é melhor que sentir dor. Por que não paramos para pensar na lição da dor? Ora, é porque não queremos pensar enquanto o latejar persiste e o incômodo insiste. Quem dera, se a lógica da dor fosse assim: ao doer um dente, pensar em sua importância latente, no nosso dia a dia corrente, fizesse a dor ceder de repente. Assim, o remédio ou antídoto para a dor seria a reflexão, não a medicação.
A dor não chega anunciada. Ela vem, disfarçada, num prato saboroso de lasanha, em doces, guloseimas e chocolates para aquele que os ganha. Sem pedir licença, entra e toma toda a atenção, às vezes longos dias de nossa vida, é a razão. Tente lembrar a última vez que uma forte gripe te abateu, ou que caiu e teu pé torceu, que teu dente doeu, tua garganta ardeu em brasa ou que tua cabeça, como um TNT, implodiu a massa. A dor é um parar forçado, um colocar as coisas no devido lugar que devem ocupar. É sentir-se vivo, com teu pé, garganta e cabeça, mesmo que com uma lista de afazeres, tudo, diante dela, pereça. Doer é perceber-se vivo.
A dor pode ser reflexiva ou didática, pois, com ela, a noção de tempo ganha outra dimensão dramática, ou perdemos dele, a sua noção estática. Somos seres a construir nossa vida como se a arquitetássemos sozinhos. Seguimos planejando o futuro, em função de um presente mal vivido, o qual se torna passado esquecido. Nesse ciclo, surge a “Santa Dolorosa”, aquela que nos chama de volta à vida, tirando-nos, por completo, do controle do planejamento vital. Mostra-nos que o absoluto não existe, quando o assunto são seres falíveis, e, por isso, começamos a relativizar o que fazemos, queremos e seremos. Passamos, então, a nos ocupar de coisas que rendam real felicidade e a não pensar em um tempo que só nos faz perder a mocidade. Ao fim e ao cabo, a dor vem sempre, se ouvirmos sua voz, apontar caminhos, que, se desbravados, revelarão a dádiva da vida a cada um de nós.