Existe uma ideia hoje em dia de que um título noticioso é tudo: tem de vender, tem de ser o primeiro a ter o clique. Eu, que gosto pouco de modas mas que percebi, ao fim de um ano e meio a trabalhar num jornal, as regras deste jogo que é o jornalismo em Portugal, já sei que ideia é esta. Daí ter começado com uma generalização (infelizmente), porque preciso mesmo de captar a vossa atenção. Sim, tu que me lês, caro leitor. E sim, tu que me lês, caro jornalista. Com qualquer idade, de diferentes regiões, géneros ou etnias.
Vamos do início, e prometo não me alongar muito porque sei que não há paciência para ler coisas grandes na internet — a menos que seja para responder, de forma inflamada, com uma coisa ainda maior. Entrei o ano passado para um jornal onde trabalhei na secção de política. Acompanhei, aos 22 anos, uma campanha de um partido. Assisti, poucos meses depois, a um despedimento colectivo. Passei para o desporto, onde, tristemente ao longe, cobri o europeu de futebol e os Jogos Olímpicos. Tive a sorte de ir ao Marquês, primeiro como jornalista, depois, ajudado pelas cervejas e os cânticos, como português babado. Pelo meio ficaram muitas notícias, algumas (boas) reportagens, e uma ou outra notícia. E muitos erros (felizmente). Tive nas mãos responsabilidades que não era suposto, e vi, que mesmo assim, isso não era motivo para passar a ser mais que estagiário.
Feito o enquadramento da minha curta carreira — e sublinho já que não pretendo lavar roupa suja aqui — vou já passar para as conclusões. No próximo ano haverá um congresso de jornalistas, algo que não se concretizava há 18 anos. Uma oportunidade para falarmos uns com os outros, finalmente. Pagando um x — e que x esse, que ao todo, qual não é o meu espanto, paga-me a luz e a água lá de casa — para poder participar. Pois eu antes de saber se lá vou, vou propor à minha antiga faculdade um ciclo de conferências com, sobre e de jornalistas da minha geração. Porque me parece que nos estamos todos a demitir de outras das grandes funções do jornalismo: educar a informar. E isso, penso eu, pode estar ligado à tal média de idades velha de jornalistas no país que o ISCTE divulgou este ano em parceria com o Sindicato de Jornalistas e a Obercom. Porque ninguém quer ir para uma área mal paga onde o objectivo é muito menos aliciante (segundo quem não vai) do que ir para uma "start up" em Xabregas, que pode, muitas vezes começar por ser mal paga mas tem "happy hour" de gins às 18h00. Pois eu continuo a querer estar na área e marcar golos. E muitos.
É que eu, em pouco tempo, vivi, segundo um grande jornalista (e amigo) de economia me disse, "coisas que só devia viver nos próximos 20 anos". E, como aprendi bem a lição, percebi que um dos maiores problemas dos jornalistas são os jornalistas. Porquê? Ora se nos demitimos, como virgens ofendidas — que acham que nada tem de mudar e se algo deve mudar não somos também nós que o devemos fazer — de falarmos uns com os outros nos últimos 20 anos sobre aquilo que se passa na nossa profissão, como é que não poderíamos ter chegado a este quase ciclo sem fim? Citando novamente um grande jornalista (e amigo), agora de internacional, "os jornalistas foram cúmplices e bodes expiatórios da sua situação". Dantes os jornalistas mobilizavam-se — assim foi criada a TSF —, não se acomodavam. Pois está na hora de mobilizar outra vez.
Eu sei, porque vi isso com os meus olhos, que a força de quem manda e a febre de vender, obrigou-nos a substituir a qualidade por quantidade. Regra que, se não for seguida, pode significar o olho da rua. Eu sei, porque vi isso com os meus olhos, que para poder fazer um grande trabalho de investigação, muita coisa tem de ficar para trás. Eu sei, porque vi com os meus olhos — e tanta pena tive quando descobri isso — que o conto de fadas que nos contam sobre o jornalismo de antigamente já não existe. Mas quanto mais nos resguardarmos nas redes sociais para nossa defesa, e evitarmos falar, cara a cara, discutindo e criticando os problemas reais da nossa profissão, mais nos distanciamos da reflexão que temos de fazer com quem nos ouve, com quem nos lê e vê. Por isso tu, jornalista de 60, 40 e especialmente de 20 ou até mais novo que estás a dar os primeiros passos, está na hora de desabafares e falares comigo e com os teus colegas.
Porque é isso que falta. Tanto nas escolas, como nas faculdades, como nas redacções, como lá em casa, como nas redes sociais. Discutir, trocar argumentos, ser exigentes e aproximarmos-nos, o máximo possível, da verdade. Entrar no jogo sim, mas fazendo a diferença. Tentar olhar de outra forma e contar aquilo que ninguém percebe, esclarecendo. Foi por isso que eu preferi ir para jornalismo em vez de enfermagem. Isso e porque pior que jornalistas só mesmo enfermeiros.