O sucesso da vaporização de substâncias (vaping), associado ao aumento crescente de parafernália para esse efeito, é um fenómeno relativamente novo. Contudo, não é a primeira vez que o desenvolvimento tecnológico tem um impacto directo no modo como consumimos drogas. A invenção da seringa hipodérmica, por exemplo, permitiu que a morfina e a cocaína extraídas da papoila do ópio e da folha de coca, respectivamente, fossem doseadas e administradas com uma eficácia até então inimaginável.
A medicina ocidental baseia-se, em larga medida, na capacidade de administrar doses exactas de diferentes substâncias, o que faz com que seja necessário saber rigorosamente quanto de uma substancia específica estamos a consumir, por forma a dosear os seus riscos e os benefícios. Uma certa dose de heroína pode “matar” a dor, uma grande dose pode matar-nos a nós.
Se é certo que, inicialmente, a principal motivação para vaporizar parece ter sido uma questão de saúde pública (como aconteceu com os cigarros electrónicos) ou saúde individual (exemplo: oferecer aos pacientes que usam cannabis por motivos de saúde uma forma de consumir que não acarrete os riscos de fumar), a vaporização parece ter potencial para oferecer a todos os outros consumidores a possibilidade de diminuir os riscos do seu consumo.
Se, por um lado, o seu uso está associado a efeitos menos positivos e com um número mais elevado de efeitos indesejados para muitos utilizadores, por outro, a vaporização permite evitar o uso de tabaco e não recorre à combustão, evitando a exposição dos utilizadores a alguns resíduos de alcatrão e outros carcinogéneos. Ao mesmo tempo, este mercado em expansão parece ser uma ótima oportunidade de negócio para as companhias que desenvolvem este tipo de produtos, de tal forma que as grandes tabaqueiras já entraram em força neste negócio.
O Global Drug Survey (GDS) é o maior inquérito mundial sobre consumo de álcool e drogas. Nas edições anteriores, exploramos as potencialidades da vaporização de tabaco e cannabis. Este ano o GDS2017 quer ir ainda mais além e explorar novos fenómenos como a vaporização de outras substâncias para além da cannabis e da nicotina. Este ano queremos perceber que outras drogas estão a ser vaporizadas, como, e em que medida é que esta via altera os padrões de consumo. Se vaporizas substâncias psicoactivas podes contribuir para esta investigação aqui.
O guia GDS para vaporizar
O que significa exactamente vaporizar? Como o próprio nome indica, é o processo de aquecer uma substância para criar vapor. Às vezes, este vapor é a substância no seu estado gasoso, ou partículas liquidas suspensas no ar após o arrefecimento que se segue à sua evaporação. Nos dois casos, os efeitos são os mesmos — permitindo às moléculas da substância serem absorvidas pela enorme área dos nossos pulmões e passarem directamente para o sangue, sem cruzarem o sistema digestivo. As substâncias usadas desta forma actuam de maneira muito rápida, chegando ao cérebro em cerca de cinco segundos.
Qual a diferença entre vaporizar e fumar? O processo é bastante semelhante, visto que estamos a aquecer as moléculas de maneira a que possam ser inaladas, a diferença está nos detalhes. Fumar utiliza a combustão (a reacção entre o oxigénio e material oxidável) para gerar calor e evaporar as moléculas. As temperaturas envolvidas são normalmente muito altas, o que faz com que parte da substância e a maioria da matéria orgânica sejam destruídas, originando compostos perigosos para a saúde.
A que se deve o desenvolvimento de dispositivos de vaporização electrónica? Os mais recentes dispositivos de vaping/vaporizadores utilizam uma resistência que aquece uma mecha de algodão impregnado com um liquido que contém a substância e a transforma em vapor. Como são dispositivos electrónicos a temperatura é mais facilmente controlável e evita uma reacção em cadeia com o oxigénio que está presente no ar, tornando o processo mais eficiente (perde-se menos substância activa) e menos danoso para a saúde do consumidor. Isto não significa que não existam riscos associados a esta via de consumo, significa apenas que os riscos são menores do que quando fumamos.
Quais são as propriedades das substâncias que lhes permitem ser vaporizadas? Para serem vaporizadas, as substâncias necessitam de ser suficientemente estáveis para evaporarem antes de reagirem com o oxigénio presente no ar. Isto significa que o ideal é serem substâncias com pontos de ebulição baixos, assim moléculas pequenas tendem a ser mais facilmente vaporizadas que moléculas grandes. A metanfetamina é um exemplo deste processo — é uma molécula relativamente pequena e que se evapora facilmente, tornando-a uma substância com características para vaporizar. Obviamente, a vaporização não torna o uso de metanfetamina seguro. As propriedades intrínsecas de uma substância particular e os riscos físicos ou psicológicos que podem derivar do seu consumo não se alteram com a forma de consumo.
O que pode mudar são os riscos associados à via de consumo: injectar tem mais riscos que fumar e fumar mais riscos que vaporizar. Muitas substâncias ,na sua forma mais comum, não estão prontas para serem utilizadas em dispositivos de vaping/ vaporizadores. Isto porque a maioria das substâncias apresenta-se na forma de um sal (cristais). As substâncias apresentadas desta forma tendem a ser mais difíceis de evaporar, tendo um ponto de ebulição mais elevado. De maneira a poderem ser fumados, os sais têm de passar por um processo de transformação. Cocaína, DMT ou heroína são exemplo de substâncias onde muitas vezes o sal é convertido numa base livre de maneira a poder ser evaporado sem queimar. Dissolver as substâncias num líquido ajuda a separar as moléculas antes de serem aquecidas, tornando mais fácil a sua vaporização. Os dispositivos de vaping/vaporizadores/cigarros electrónicos, capitalizam este efeito, dissolvendo os compostos em glicerina vegetal antes de os aquecerem (o e-liquido). O algodão com uma mecha que é embebido em líquido, por ser uma superfície maior, permite que o mesmo seja aquecido de uma forma uniforme e facilita o controlo da temperatura.
Que substâncias podem ser vaporizadas? Tudo o que foi dito até agora mostra que a grande maioria das substâncias, sofrendo mais ou menos transformações, podem ser vaporizadas. Mas isso não significa que seja uma boa ideia. Algumas substâncias requerem doses elevadas para produzirem efeitos (o álcool, por exemplo). Por isso, seria complicado inalar uma quantidade significativa e inalar também o oxigénio de que necessitamos para viver. Outras substâncias, como o GBL, por exemplo, são irritantes e, portanto, seria difícil inalá-las, visto que provocam tosse e dificuldade em respirar. Outras moléculas são demasiado grandes para evaporar de uma só vez, o que as levaria provavelmente a perder todos os efeitos, como é o caso por exemplo do LSD.
Vaporizar reduz os riscos do uso de drogas? Ao vaporizar, os efeitos da substância são quase imediatos. Isto pode ser negativo na medida em que o cérebro faz uma associação imediata entre ação e recompensa, aumentando o potencial aditivo das substâncias. Mas tem também um lado positivo. Ao sentir os efeitos imediatamente, o consumidor consegue perceber logo a dimensão do que está a sentir, não tendo a tentação de re-dosificar enquanto espera pelos efeitos. Isto dá ao consumidor maior controlo sobre as doses. Os efeitos das substâncias também duram menos, o que no caso de substâncias estimulantes, por exemplo, pode ajudar os consumidores a poderem descansar melhor depois dos consumos e a não se manterem acordados tantas horas. Ao mesmo tempo, efeitos mais curtos podem, para alguns consumidores, aumentar a vontade de consumir cada vez mais, o chamado craving. Se usas dispositivos de vaping/vaporizadores para consumir substâncias psicoativas e gostavas de contribuir para o maior inquérito sobre padrões de consumo de drogas do mundo.
Se usas dispositivos de vaping/vaporizadores para consumir substâncias psicoativas e gostavas de contribuir para o maior inquérito sobre padrões de consumo de drogas do mundo, preenche este inquérito de forma anónima e confidencial.
Adaptação e tradução de Helena Valente, doutoranda FPCEUP