“O pão tem milhares de anos mas foi muito maltratado nos últimos tempos.” A frase é de Filipe Melo, fotógrafo artístico de formação, antigo cozinheiro e actual padeiro e merceeiro. “Comecei a fazer pão porque não havia pão biológico de qualidade”, conta à Fugas na nova padaria do Porto, a primeira biológica — e assim certificada — da cidade. Filipe passou de fazer pão em casa para os amigos (e os amigos dos amigos) para apostar numa pequena unidade de produção, inicialmente sem venda directa ao público. Três anos depois, a parte da frente de uma antiga padaria do Bonfim sofreu obras para acolher também uma cafetaria e uma mercearia e assim nasceu o Pão Nosso.
O nome não poderia homenagear melhor o acto de paciência que é fazer pão, amassado à mão durante várias horas. Os cereais são, na sua totalidade, biológicos (e importados) e isso reflecte-se no aspecto, na textura e no sabor do pão: de tom escuro e aspecto tosco, mais maçudo do que o convencional e também mais amargo. O aroma, esse, é inconfundível: basta entrar no Pão Nosso para perceber o que se passa por detrás da porta que se vê ao fundo da loja, após o expositor dos frescos. Aqui coze-se pão sem pressas: os exemplares que vemos, ainda a fumegar, a descansar na bancada de inox precisaram de dois dias para fermentar e cozer. “Aí é que está a qualidade do pão; se alterarmos isso, estragamos a qualidade”, garante Filipe, de 42 anos. “As longas fermentações resultam na divisão da proteína do glúten em aminoácidos, fazendo com que o nosso pão se torne mais digestível, por vezes até para aquelas pessoas que são intolerantes ao glúten”, lê-se no verso do cartão que serve de embalagem ao Pão Nosso.
As formas são quadradas e altas para rentabilizar o espaço no forno e uniformizar o peso de cada unidade (perto de 500 gramas). Se no início Filipe trabalhava sozinho, hoje já precisa de mais duas pessoas, responsáveis também pela pastelaria, igualmente biológica, que se vende na padaria e na cafetaria. O Pão Nosso já era conhecido dos clientes de espaços do Porto como o Quintal Bioshop, a Mundano Objectos ou o mercado do Parque da Cidade, bem como de lojas de Braga, Aveiro, Coimbra e Lisboa (além das entregas em casa). Até à abertura da padaria, 600 pães eram cozidos por semana, número que deverá crescer.
Mas o que distingue este pão bioartesanal do outro? A resposta está na ponta da língua de Filipe, sentado numa cadeira azul da cafetaria e de costas para o antigo painel de azulejos que resistiu às obras do espaço. “O nosso pão é maçudo porque usamos fermentos naturais — a massa azeda — e tem muito sabor, ligeiramente amargo”, descreve. A receita leva menos sal do que é costume (1,8% em vez de 2%) e o índice glicémico é menor, o que o torna mais saudável.
Ao todo, são 12 as variedades disponíveis, com preços podem ir de 1,90 a 4,50 euros: de mistura, com aveia, sementes e passas de uva, arroz, cevada, centeio, "kamut" ou espelta. Há ainda três tipos de pão sem glúten: de arroz, amaranto ou alfarroba. “Depois de se experimentar, não se quer outra coisa”, assegura o padeiro, para quem a componente artesanal é importante. “O nosso pão não sai sempre igual, depende da temperatura e da humidade ambiente (…) e pode durar até sete ou oito dias sem ganhar bolor.”
A padaria é da responsabilidade total de Filipe, a cafetaria e a mercearia são fruto de uma sociedade com mais duas pessoas, Paulo Herbert e João Carvalho. "Croissants", granolas e bolachas (de laranja com gengibre, pepitas de cacau cru ou noz e passas) também saem do forno do Pão Nosso e são vendidos lado a lado com os outros produtos da mercearia. Aos verdes e congelados juntam-se cereais a granel — como o amaranto, a cevada ou arroz — e apresentados em sacos de serapilheira, alinhados como se tivéssemos recuado no tempo e no balcão repousasse um livro de fiado anotado a lápis. Há ainda iogurtes e queijos, tofu, chocolates, chás, vinhos e até cerveja, cosméticos e molhos. Tudo 100% biológico, com o selo que o comprova bem visível. Estes mesmos produtos são a matéria-prima para as refeições ligeiras servidas na cafetaria, com meia dúzia de mesas à entrada da loja.
Para os que gostam de saber exactamente aquilo que compram e comem, o Pão Nosso tem hora certa para a saída de fornadas: a partir das 16h, o aroma a pão quentinho é garantido, seis dias por semana.