Fátima sempre mais

Preparai-vos, portugueses, o julgamento aproxima-se. Os sismos de Itália não são por acaso. Há um idiota no Facebook que anda a prometer há anos a vinda do novo "ciclo positivo" no "ano seguinte". Mas isso não virá sem redenção

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Andrew Ruiz/Unsplash

Ter nascido a 13 de Maio acarretou para mim, para a minha vida, certo fardo messiânico. Abençoado pelo dia, transportaria comigo o vaticínio da obra, o dever de cumprir um destino fabulístico. Não queiram nascer neste dia, todos prometem por nós e todos esperam que cumpramos o que nunca chegámos a afiançar. Não se trata, bem vendo, de satisfazer um propósito, mas de portar o peso, a responsabilidade, da graça. Este peso é, afinal de contas, a "gravitas" do povo português: o valoroso destino nacional transformou-se, há muito, num queixume generalizado, e Fátima é o lenitivo, o paliativo, o placebo, perfeito.

A revolução estava em marcha, Fátima desceu à terra para dizer aos homens que não precisam de buscar sua "utopia", ela está lá em cima, nas alturas do sonho de éter. A revolução portuguesa não seria necessariamente socialista, a bem ver, ela ocorreu sob o domínio do conservadorismo "imperialista", mas esta fraca interpretação do Quinto Império foi buscar a Fátima o contexto precioso de aleitamento dos juízos.

Nesta fase, do "fim da História", todas as moções — socialista, liberal, espiritual — se digladiam, remetendo à confusão "diabólica", "babélica", já nada parece durar, e tudo é um "já visto", tudo é "retorno obsessivo-compulsivo" do "mesmo". Não admira que a saúde mental e espiritual portuguesa ande tão frágil. É preciso regressar ao "espírito santo", à "imaculada", no qual recolheremos o néctar de novel, derradeiro, movimento salvífico. No próximo ano, cem anos após a revolução (e a psicose dos pastorinhos, e a alucinação colectiva da turba, que, notando, já provam que a saúde mental dos portugueses andava, naquela altura, muito por baixo), virá a re-volução das velas (em conjunto com muito joelho sofrido), numa Fátima previsivelmente repleta, cheia de espírito, particularmente entre os hotéis e vendedores de ícones. Imagino já a nova alma "empreendedora" do "novo português", alicerçada pela droga, pela injecção hormonal que só o Santuário, a estátua da Santa, a música edénica e uma suposta árvore (que teve a sorte de sobreviver à desflorestação ocorrida aquando da construção do "templo") conseguem prover. Há, obviamente, o perigo do regresso de Fátima nos conduzir a mais passividade, mas eu acredito na força "liberal" operada pelo encantamento. E, agora, que se aproxima o Natal, hão-de ver se não é possível pôr "espírito", liberalismo e mercantilismo a cantarem juntos a missa do Galo.

O novo "espiritualismo", aquele que alguns designam de "nova era", não merece sequer ser tratado enquanto tal. Totalmente subvertido por cartomantes, videntes, e profissionais de "spas", a idade do "espírito santo" aparece cunhada com uma felicidade de cuspo, baba "espiritual" que alguns pretendem não possuir substancialidade. Natal, revoluções de "palmo e meio", espiritualismo pseudo-esotérico, precisam todos da tua salvação, Nossa Senhora intocada.

No próximo ano, no dia dos meus anos, não penso ter a sorte de se lembrarem de mim, a não ser pela coincidência do dia (que sempre garantiu que muitos indesejados me telefonassem à meia-noite do dia anterior), mas decidi, desde já, que cumprirei aquele destino que muitos me caucionaram em sortilégio. Irei, peregrino, a Fátima, esperando que a Senhora de Branco e com "flash" me apareça, a mim e só a mim, na esteira de uma desejada soledade. Solidão, saudade, a fortuna da nação pregada pela minha imagem, meu corpo de Lenin imortalizado. Portugal requer um salvador, nada melhor que um cheio de talento para messias. Visto que sou terapeuta, já tenho a aura de taumaturgo (milagreiro), só faltam as ovelhas, que, ultimamente, andam parcas, ranhosas e sem lã.

Preparai-vos, portugueses, o julgamento aproxima-se. Os sismos de Itália não são por acaso. Há um idiota no Facebook que anda a prometer há anos a vinda do novo "ciclo positivo" no "ano seguinte". Mas isso não virá sem redenção. Sejam poupados nas compras deste ano, e a sacerdotisa virgem pensará em meter uma cunha por nós no paraíso de cima, espero que ela se lembre de me dar um andar que dignifique minha importância. Com vista para a Terra, e da forma como as coisas se passam lá em baixo, não pagarei muito de IMI.

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