O que farão os portugueses quando não houver mais praias?
A praia é a escolha da maioria dos portugueses durante o Verão, porque é uma escapadinha quase a custo-zero em que se pode levar a família toda. Descansa-se, comem-se gelados, dá-se uns mergulhos e volta-se à rotina com outro espírito. Mas e quando não tivermos mais praias para onde ir?
Quando é para as limpar, as praias são de todos, já quando é para usufruir uns são filhos e outros enteados. Basta ver os movimentos cívicos a serem incentivados para fazerem aquilo que, tanto as câmaras como quem explora financeiramente as praias deveria ter-se preocupado em fazer em primeiro lugar. Esses mesmo responsáveis das áreas concessionadas que criam condomínios privados nas praias, sejam chapéus de sol e espreguiçadeiras, espaços de restauração, tendas de massagem ou "sunsets", frequentemente fazem com que na preia-mar, aqueles que tentam usufruir da praia a custo zero (menos o estacionamento) não tenham espaço onde ficar. Isso vê-se em praias como a Coelha em Albufeira ou a praia da Torre, em Carcavelos. A menos que seja encavalitados nos vizinhos, com pés a centímetros da nossa cara e percebendo o que cada um comeu ao pequeno-almoço, isto sem sequer mencionar o infortúnio de estender a toalha ao lado de um fumador ou de um daqueles jovens que confundem o telemóvel com uma coluna de som.
Provavelmente, quando se tenta comercializar Portugal como a Califórnia da Europa, não estamos assim tão longe da verdade, já que há bastantes praias californianas que são propriedade privada, com entradas vedadas pelos donos das mansões lá construídas.
Cá ainda não maltratamos assim tanto as praias, mas se pensarmos no caso do surf, particularmente na Costa Vicentina, é cada vez mais difícil para um residente local surfar em praias como a do Amado ou a da Arrifana, não só porque o número de escolas licenciadas é superior ao que a praia suporta, como ainda há que contar com as escolas que lá operam ilegalmente.
Isto significa que, como é apanágio lusitano, estamos a desbaratar o futuro das nossas praias pela gratificação do lucro imediato. Além de que, a maioria das pessoas se esquece da existência das praias fora da época balnear, algo que se percebe em situações que continuam a repetir-se, ano após ano, como é o caso da exploração petrolífera, da erosão das arribas, da construção desenfreada e do desaparecimento da areia. Porque, como é típico da espécie humana, continuamos a assumir que o planeta está cá para nos servir e por isso vamos tratando as praias como o nosso recreio sazonal, desprezando o facto de que têm existência própria tal como é característico de qualquer ecossistema. E tal as florestas, precisam por isso do mesmo tipo de preocupação de que elas, mal ou bem, vão beneficiando.
A continuar assim, dificilmente seremos apelidados de paraíso pelos estrangeiros durante muito mais tempo. E quando os turistas deixarem de nos visitar, o que fará um país que cada vez mais cresce apoiado no turismo, desprezando todas outras valências, capacidades e interesses?