O Hélder, as dádivas e a homossexualidade

Os homossexuais continuam a ser considerados “um grupo de risco”, sendo-lhes apenas permitida a dádiva de sangue um ano após o último contacto sexual

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PÚBLICO

“Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!”, e eu não só não acredito em coincidências como, e já o disse, nada acontece por acaso. Hélder Trindade, até há pouco Presidente do Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST) demitiu-se poucos dias depois de a Direcção Geral de Saúde (DGS) ter autorizado a dádiva de sangue por homossexuais.

Ora, é sobejamente conhecida a posição do Hélder sobre os homossexuais, senão voltemos um pouco atrás, mais precisamente até Abril de 2015, quando o mesmo Hélder afirmou, em alto e bom som e para que todos o pudessem ouvir, que os dadores de sangue não são excluídos por serem homossexuais mas por terem sexo com outros homens! Ó Hélder, meu querido, lá porque eu gosto de ti, não quer dizer que vá para a cama contigo! Primeiro, tens de me deixar, primeiro tens de me conhecer, e eu a ti, e se gostarmos um do outro e quisermos fazer vida um com o outro então sim, Hélder, talvez nos possamos amar, como sempre se quiseram amar todos os homens e todas as mulheres desde sempre, mais ou menos o mesmo tempo que a homossexualidade existe, não só entre nós, mas entre mais de 5000 espécies, incluindo mamíferos, aves e platelmintes.

Platelmintes? Sim, as ténias, por exemplo, também são homossexuais, por isso não se esqueçam que tudo quanto nos acontece nos intestinos sempre que comemos carne de porco mal passada também é, em si, fruto do amor, o mesmo que nos trouxe aqui a ler este texto enquanto, carinhosamente, enrolo os caracóis do Hélder entre os dedos num sábado à tarde deitados na cama depois daquilo que não vos contei.

Mas falemos de coisas um pouco mais sérias. Apesar da bem-vinda autorização da DGS, os homossexuais continuam a ser considerados “um grupo de risco”, sendo-lhes apenas permitida a dádiva de sangue um ano após o último contacto sexual. Ora, se calhar o Hélder até tinha razão, porque com Hélder ou sem Hélder fica tudo na mesma e isto agora já começa a parecer a anedota da hiena que, comendo fezes de outros animais e fazendo sexo uma vez por ano, afinal ri do quê? Porque se um casal passar um ano sem fazer amor, não só não vai ter vontade nenhuma de rir como, muito provavelmente e cada um à sua vez, já terão feito amor noutro lado.

Portanto, sejamos realistas, grupo de risco são os senhores que trabalham na DGS, a começar desde logo pelo Hélder que, felizmente, já não trabalha lá, os quais não são senão o garante de uma sociedade preconceituosa, discriminatória e ilegal. Porque o coito rectal ocorre tanto entre homossexuais como heterossexuais, porque comportamentos de risco ocorrem tanto entre homossexuais como heterossexuais, porque as traições não dependem da orientação sexual mas desta vida e das relações que vamos construindo, porque com quem eu vou para a cama não me classifica como pessoa e o que eu eu faço na minha intimidade é comigo e não contigo, e a liberdade também é isso, amar, e amar livremente, sem preconceitos ou juízos de valor, sem que venhas espreitar à janela ou pendurar-me pelos tomates apenas porque um dia ousamos gostar de alguém.

Conclusão: parece que lá para os lados da DGS os senhores têm medo que a homossexualidade se transmita por transfusão sanguínea. Pois bem, meus caros, da próxima vez que vos faltar o sangue, que venha aí o Natal ou o Verão ou que haja um daqueles cataclismos em que toda a gente precise de sangue, não se esqueçam dos homossexuais, porque quando lhes pedirem uma dádiva de sangue de joelhos, não tenho dúvidas como, prontamente, vos dirão para meter a dita dádiva, bem enrolada e "vaselinada", vocês sabem bem onde.

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