Carta às amigas a quem não escrevo

A nova estrela da companhia é claramente a Mariana (a filha do Camilo), os gajos detestam-na intensamente e não é para menos

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Camille Kimberly/Unsplash

Doces/Dores de minh’alma, cá em Lisboa o Verão resiste unhas e dentes ao Outono: às oito ganha o último, ao meio-dia é empate, às três da tarde Verão limpo (de Agosto)... raios ta fundam ó aquecimento global! O governo das esquerdas (a “geringonça”) lá se vai aguentando, entre Costa e Marcelo respira-se com muito mais facilidade de Caminha a Vila Real de Santo António, a direita e o FMI espumam mas ninguém quer saber.

A nova estrela da companhia é claramente a Mariana (a filha do Camilo), os gajos detestam-na intensamente e não é para menos: muito preparada, dossiers na ponta da língua, pinta seca de mulher honesta de esquerda, ninguém a consegue irritar: temos bicho! Recomecei as aulas, malhar a Revolução Francesa e a Guerra Fria nos virgens... o ano passado a Guerra Fria tinha muita saída, este ano a Revolução Francesa entra melhor (deve ser da guilhotina).

Aos do terceiro ano mandei ver o “Dr. Estranhoamor” (para perceberem o terror nuclear) e é claro que ninguém sabe quem foi o Kubrick, em três turmas a ferros lá descobri uma alminha que viu o “The Shining”, claro, a silenciosa de escuro da terceira fila, mas aparentemente entre os "millenials" cinema é mais Michael Bay, menos Fellini... o futuro está tramado, acho eu às vezes na volta do autocarro.

A noiva da madrugada ausente em trabalho de campo por três semanas (de feijoada em feijoada no Rio com a tia Isabel), eu desorientado (quem não me quer não me merece, já dizia o tenente Stella nos Escorpiões) e sorridente em Lisboa “devagar se vai ao longe” rezam as capas dos Aquilinos do meu pai, à criatura diagnosticaram uma dioptria e meia de astigmatismo ("isn't genetic a bitch!"), o gato fez 60 anos e está com pior feitio do que nunca (já morde crianças), a gata continua mais sensual que sempre, a minha cunhada entrou em Música e Artes do Espectáculo no Porto (bendita!), dou-lhe três meses para começar a dizer “fino” em vez de ”imperial”, a minha irmã mata as pragas todas de Loures, o meu cunhado queima as pestanas no ISCTE, os meus sogros estão todos três porreiros, os meus pais também, o meu avô hidrata e desidrata devagarinho em Abrantes, a mãe do tio Alfredo e o padrinho Francisco fecharam os olhos de vez... a terra lhes seja leve.

Eu dei à luz uma crise hemorroidal aguda e fui parar a Santa Maria (depois de cinco dias a anhar em casa), conheci o João Cigano (pulseira verde: facada na perna), o Zé António da Madragoa (agressão animal: pulseira amarela) e o Antero do quarto andar (queda da cama aos 70 anos: pulseira amarela) enquanto esperamos atendimento na Pequena Cirurgia.

A doutora Joana (ar de 17 anos mas com pelo menos seis meses de banco, uma veterana portanto) a despachar-nos tão rapidamente quanto possível, que é domingo e às seis e meia começa o jogo na segunda circular. Fico fino que nem um pêro num suspiro: proibido do gindungo, azeitonas, bananas e alcoóis brancos, a partilhar Daflons com os meus tios... com uma dieta destas ainda volto a ser magro (isto é que é uma crise!), mas já me sento sem cuidados. De resto, cá continuamos à proa descarados, vinho bom e barato, café a 60 coroas, sorridentes ao regime da injustiça e do trabalho, só porque sabemos que os dias maus vão eventualmente, inexoravelmente, necessariamente acabar. Beijos ao Jeff, ao Matt e ao Gabriel, a vocês promessas de cartas com papel e envelopes e selos e tudo (à antiga)... ao resto abraços, “bisous”.

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