Literalmente, a melhor cena de sempre. Literalmente

Tenho uma proposta que considero vencedora, uma moda para os tempos que aí vêm: a gente compra um dicionário, colocamo-lo na mesinha de cabeceira, e todos os dias à noite consultamos ao calhas uma página qualquer

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Alex Hockett/Unsplash

Amigos, estamos em 2016, o século XXI chegou àquela idade em que já tem autorização (mas não boleia) para ir sacar pitinhas ao Urban e fumar SG Ventil à socapa dos papás. Além do mais, já são quase sete da tarde, o que significa que está na hora de ver o 20478º episódio do Preço Certo. Isto tudo também significa que está, literalmente, na hora de parar de usar a palavra ?"?literalmente"?.

Há meia dúzia de dias, um desses jornais desportivos noticiava que, durante um amigável — ah, a ironia — um futebolista havia perdido "literalmente" a cabeça por ter agredido um árbitro. Ora bem, a menos que esteja alguém do Daesh envolvido na partida ou que tenha entrado em campo um tresloucado munido duma moto-serra, o desgraçado do jogador não perdeu cabeça alguma.

O que aqui acontece é mais ou menos o mesmo que verificamos com todas as expressões que se tornam (estupidamente) moda. Desatamos a dizer palavras de um modo tão banal como comer cerejas em Junho. Como é óbvio, o jogador em causa perdeu metaforicamente a cabeça, mas o problema das modas é que a acefalia toma lugar e ninguém pensa (ou questiona) o que se torna hábito por meio de carneirada. E, assim, damos por nós a ouvir expressões mal aplicadas ou notícias de pessoas que morrem porque queriam apanhar um Pokémon na boca de um jaguar. Porquê, senhores?

Como esta, existem tantas outras. O "literalmente" é mais um "top" sem-abrigo, é mais um "tipo" que ainda pega e um "tótil" que ainda não morreu. Porque estas expressões, como todas as outras que já foram moda e que hoje só geram galhofa e descredibilização, estão condenadas à morte: dentro de algum tempo, sempre que as dissermos, seremos marginalizados, pelo que nos veremos forçados a ter de marginá-las a elas, às palavras - o que nos acontecerá se, nos dias que correm, dissermos que uma coisa é "baril" ou convidar um amigo para ir beber um copo com um "bute lá beber um caneco"?

Tenho uma proposta que considero vencedora, uma moda para os tempos que aí vêm: a gente compra um dicionário, colocamo-lo na mesinha de cabeceira, e todos os dias à noite consultamos ao calhas uma página qualquer. Aprendemos uma palavra nova, que tentaremos aplicar correctamente no nosso discurso do dia seguinte. Todos enriquecemos com a variedade vocabular e — melhor ainda — não daremos por nós a dizer sucessivos disparates à conta de palavras cujos significados desconhecemos. ? Sim, estou mesmo a falar de um dicionário. Tipo, literalmente, iá? Manjas a cena? Tótil.?

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