Muhammad Ali: a sua grandeza não cabia no ringue

É com Muhammad Ali que, provavelmente, o mundo inteiro olha pela primeira vez para um corpo negro com admiração, respeito e não como um objecto ou acessório

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MSI/File Photo

A altura é de pesar, as palavras são de somenos e a figura é de peso. Não tem sido um ano fácil para a humanidade. As baixas são de cortar a respiração. Bowie, Prince e agora The Greatest (Muhammad Ali). Fiz um voto de silêncio dedicado a Bowie e fugi das redes sociais. Depois, tiraram-me Prince e mergulhei num imaginário de tensão sexual, drogas, música e unicórnios. “Que se lixe tudo”, pensei eu. E eis que do nada, veio da direita um gancho e fui ferrada: "The Greatest" (O Maior) deixou o edifício.

E é pensando em todas as vezes que "The Greatest" caiu no ringue, e se levantou para vencer, que eu penso em todas as caras negras esborrachadas violentamente contra o cimento dos Estados Unidos da América, África do Sul, Europa, Brasil e em todos os outros lugares nos quais a vida negra e não-branca têm menos valor. É repensando e dando forma às suas palavras:

“I am America. I am the part you won’t recognise. But get used to me — black, confident, cocky: my name, not, yours; my religion, not yours; my goals, my own. Get used to me.”

"The Greatest" meteu, literalmente, mãos à obra e mudou o mundo. Pegou num dos desportos considerado por muitos como sendo dos mais violentos e presenteou-nos com uma performance com uma cadência muito própria, coreografada fora do ringue com muito humor e vigor antes do seu esperado baile, que incluía um espectáculo de oratória, declamação, política e etiqueta.

Politizado e provocador

É também com Muhammad Ali que, provavelmente, o mundo inteiro olha pela primeira vez para um corpo negro com admiração, respeito e não como um objecto ou acessório. "The Greatest" era um atleta negro, um ser pensante e politizado. E provocador. Chegou a pousar com adesivo e um cadeado na boca.

Mas a sua grandeza não cabia no ringue. E nem tudo era sobre entretenimento e desporto. Activista, libertou-se do que chamara um nome de escravo, tornou-se um amado de Deus (Muhammad Ali) e teve por missão unir a humanidade, espalhar afectos e lutar pacificamente contra as injustiças. Missão cumprida e mundialmente agradecida.

E desta forma, o peso pesado três vezes campeão, de forma leve e graciosa deixa uma marca indelével na história da humanidade. Chegou, ferrou e venceu. Deus não veio buscar o seu campeão. Se Muhammad Ali, "The Greatest", aqui estava, é porque Deus não existe. Ainda. E se dúvidas existirem sobre quem irá ser o seu braço direito, bem, terminaram.

E nada de R.I.P. Acabou-se o sossego. Chegou "O Maior"!

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