Centenas de milhões de animais são utilizados anualmente em prol da ciência em laboratórios de todo o mundo, 11,5 milhões dos quais apenas na União Europeia. Usamos os animais em nome do progresso científico, no ensino, para a nossa segurança, para fins militares, espaciais. Usamos os animais porque não é ético fazer experiências em humanos. Usamos os animais porque não questionamos, porque é algo que nos foi incutido, porque estes estão disponíveis, porque julgamos constituir um mal necessário dado que não existe outra solução.
De facto, a experimentação animal ainda é encarada como algo natural e necessário, de carácter inevitável. Fatalista. Assenta na premissa antropocêntrica de que o Ser Humano se julga superior aos outros animais e, por conseguinte, pode naturalmente sacrificar os animais em experiências por não existirem outras alternativas ao avanço científico. No entanto, isto não é uma verdade absoluta, antes baseamo-nos num paradigma.
Utilizamos os animais em experiências cruéis, infligimos dor e sofrimento em nome do avanço científico e da saúde humana, mas paradoxalmente esta abordagem tradicional é responsável pela morte de muitos seres humanos, quer pela ausência de cura para muitas doenças (hoje conseguimos curar os ratos de cancros artificialmente induzidos mas não conseguimos ainda curar os homens com cancro), quer pelo atraso no desenvolvimento de outras soluções terapêuticas (por exemplo, a utilização de macacos Rhesus atrasou em mais de 10 anos a descoberta da vacina para a poliomielite).
Sabemos que qualquer ensaio farmacológico, após testes em animais (estudos pré-clinicos), passa também obrigatoriamente por estudos clínicos em humanos, e que 92% dos medicamentos que parecem seguros e eficazes após estudos com animais falham quando administrados a humanos.
Não se trata de uma questão apenas emocional e empática em relação aos animais de laboratório indefesos, trata-se sim de lutar contra uma ciência ultrapassada que ainda utiliza animais nas suas pesquisas, que no limite pode levar a resultados pouco confiáveis. Apesar da Comissão Europeia e da comunidade científica alegarem que não estamos preparados para abolir a experimentação animal neste momento, a verdade é que existem várias alternativas à experimentação animal. De facto, existem actualmente abordagens mais éticas, eficientes e seguras que o recurso à experimentação animal, as quais permitem não só salvar a vida dos animais utilizados, como também mais vidas humanas.
Torna-se então necessária uma mudança de paradigma no campo científico. Precisamos de afastar o foco estratégico das experiências com animais e redireccioná-lo para os modelos computacionais e técnicas in vitro. Actualmente existem alternativas à experimentação animal, mas falta-nos um maior investimento económico e político, bem como uma mudança de mentalidades.
No século XXI, e em grande parte das situações, os animais podem e devem ser eficientemente substituídos por sistemas biológicos in vitro (cultura de células e tecidos), placentas humanas e cordões umbilicais. Hoje a ciência possui ferramentas como modelos computacionais in silico, por oposição aos testes in vitro e in vivo para estudos de toxicidade, por exemplo bases de dados e modelos computacionais de relações quantitativas estrutura/actividade (QSAR) para prever a toxicidade de uma substância com base na sua estrutura e propriedades. No ensino, pode e deve fomentar-se o uso de sistemas virtuais, interditando a utilização de animais.
No dia 8 de Maio de 2015, no decorrer da II Conferência Internacional de Alternativas à Experimentação Animal, foi formulada a Declaração de Lisboa, que constituiu um consenso dentro da comunidade científica presente no evento quanto à necessidade de uma maior transparência na ciência que recorre ao uso de modelos animais, salientando a importância de avaliar objetivamente os custos e benefícios dos projetos científicos que os envolvem.