O que é ser português?
Passamos o tempo a colar-nos à identidade dos outros países mas a verdade é que nem somos bem mediterrânicos, porque é o Atlântico que nos banha, nem verdadeiramente latinos porque o nosso sangue não arde. Menos ainda seremos europeus porque nos falta o calculismo e a frieza dos alemães, o hiper sentido de civismo dos escandinavos ou o aprumo dos britânicos. Quando muito seremos mais parecidos com os russos, por sermos os destroços do que outrora foi um grande império e também porque estamos tão arredados do centro uns como os outros. Ou no mais puro dos vernáculos, somos o verdadeiro cu do velho continente.
E enquanto os outros países foram edificados em apaixonantes e vibrantes lendas de força e carácter como Erik, O Vermelho ou Henrique VIII, a generalidade dos nossos mitos assentam nos brandos costumes. Excepto em três momentos atípicos da nossa história, não só porque conheceram sucesso mas sobretudo porque são claras demonstrações de poder e vigor pouco características da nossa identidade.
Enquanto que a lenda de Viriato não pertence verdadeiramente ao imaginário português, a de D. Afonso Henriques será, coisa rara por cá, provavelmente um orgulho consensual, não só por ter sido o primeiro caso reportado de violência doméstica contra a progenitora, mas também por ter sido o primeiro caso de xico-espertismo lusitano. Por todos esses motivos e por materializar essa característica tão nacional que é o espírito do desenrasca (com uns pozinhos de passar a perna ao parceiro), aldrabando o papa e os espanhóis numa cartada só, esta será provavelmente a lenda que melhor define a nossa identidade.
Depois há o regicídio, que dificilmente reunirá consenso quanto ao seu efeito positivo na história de Portugal, mas que foi certamente a primeira vez em que surgiu um vislumbre de empreendedorismo nacional. Claro que poderiamos debater momentos históricos como a implantação da República ou o 25 de Abril, mas apesar de tudo os costumes não deixaram de ser tão brandos assim.
Na verdade os momentos de viragem histórica para nós, foram mais sucessões orgânicas inevitáveis do que uma atitude de faça-você-mesmo. Isto sem mencionar o que, incompreensivelmente, parece ainda ser o episódio que mais orgulho nacionalista suscita.. Em plena era cibernética, onde é certo, a informação parece confundir mais do que elucidar, é no mínimo estranha uma atitude como a da celebrar os descobrimentos. Como se nos tivéssemos limitado apenas a descobrir novos territórios. Nós, uma verdadeira nação de inventores, inventámos praticamente sozinhos a exportação de escravos destruindo milhares de vidas a fim de explorar sem misericórdia alguma os recursos dos seus territórios. Isto num país que se assume multicultural, ou não fossemos nós um bando de mestiços fruto de um gang-bang que descambou numa miscigenação desbragada de vários povos.
Ainda por cima, fomos incapazes de tirar verdadeiramente partido desse vil acto enganadoramente baptizado de descobrimentos, antecipando em alguns séculos a profecia da figura de proa da cultura nacional que é Pedro Passos Coelho, de que “vivemos acima das nossas possibilidades”, acabando realmente por nos endividar. Aliás, esse parece ser um dos traços que melhor define o lusitanismo: o sacrifício de tudo e mais alguma coisa pela gratificação imediata. Senão, como explicar que as nossas acções sejam ainda governadas pelas mesmas três paixões começadas por F que transitaram do Estado Novo? E que quando podemos realmente fazer a diferença nos limitemos a arder no lume brando dos nossos costumes?
Entretanto vamos sacrificando o que resta da nossa identidade por uma globalização mais mercantil do que cultural, deixando que o nosso legado se resuma ainda ao Fado, Futebol e Fátima, como se o avô cavernoso ainda se sentasse na sua cadeira de sempre. Como se não pudéssemos reclamar o que é nosso por direito, todos os instantes de todos os dias com as nossas atitudes e sobretudo com o nosso dinheiro. Porque, ao contrário do que parece, nem tudo isto tem de ser triste, nem tudo isto tem de ser fado.