“Receba sem compromisso um estagiário durante dois dias. Experimente grátis." O anúncio da empresa Work4U, colocado na sua página do Facebook na passada sexta-feira e divulgado pela plataforma Ganhem Vergonha, vai ser denunciado à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Ainda nesta semana, os Precários Inflexíveis vão avançar com uma queixa contra aquilo que consideram ser “tráfico de mão-de-obra”.
A página do Facebook da Work4U onde o anúncio aparecia deixou de estar disponível pouco tempo depois de a plataforma Ganhem Vergonha ter denunciado o caso. A desactivação, justificou uma pessoa da empresa que preferiu não ser identificada, deveu-se ao elevado número de denúncias da página. “Foi desactivada automaticamente, mas será reactivada assim que possível”, garantiu.
A publicação do anúncio foi “um erro do departamento de marketing”, justificou a mesma trabalhadora da Work4U ao P3, numa conversa telefónica. A empresa considera a denúncia do Ganhem Vergonha uma “calúnia” e adianta que caso se confirme a queixa à ACT irão “abrir um processo de difamação contra quem está a fazer esses ataques”.
Para os Precários Inflexíveis, o caso “configura uma ilegalidade até do ponto de vista do modelo de negócio”, comentou João Camargo. “É tráfico de mão-de-obra, uma coisa absolutamente estarrecedora.” A associação está já a ultimar a queixa a ser entregue na ACT e mostra-se particularmente preocupada com o alegado acesso desta “espécie de empresa de trabalho temporário” a que chama mesmo de “máfia laboral” a estágios ao abrigo do IEFP.
“Se apresentam garantias de estágios significa que têm acesso ao IEFP. Isto é um passo seguinte às empresas de trabalho temporário, nem sequer está contemplado na lei”, lamenta o membro dos Precários Inflexíveis.
Na página do Ganhem Vergonha, várias pessoas relatam experiências tidas com esta empresa. Segundo revelam, os candidatos têm de pagar uma taxa de inscrição de 30 euros e uma outra, também de 30 euros, correspondente à activação do estágio, caso o mesmo se concretize.
Recusando “aprofundar” o tema ou facultar o contacto de um responsável da empresa que o pudesse fazer, a trabalhadora da Work4U admitiu que a empresa chegou a pedir um pagamento inicial de 30 euros aos candidatos, mas sublinhou que o procedimento deixou de ser esse “há já algum tempo”. “O pagamento inicial dos 30 euros existiu numa fase, porque muitas pessoas desistiam dos estágios e optámos por essa caução.”
Não foi o que aconteceu com João (nome fictício) ainda na semana passada. Depois de ter sido contactado telefonicamente por uma funcionária, deslocou-se à Work4U, no número 96 da Rua Bartolomeu Dias, em Lisboa. “Fui entrevistado nesse dia e fui perder o meu tempo. A pessoa que me entrevistou não soube ou não quis referir o cargo para o qual estava a ser entrevistado”, contou ao P3.
A ficha de inscrição e o regulamento enviados por e-mail aos candidatos — e aos quais o P3 teve acesso — mencionam os pagamentos a serem feitos à empresa e confirmam os vários relatos feitos no Facebook do Ganhem Vergonha: “Para ser considerado apto a estágio, o estagiário reserva-se no direito de liquidar a taxa de inscrição no valor de trinta (30) euros. 50% desta mesma taxa será´ devolvida se num período de noventa (90) dias (seguidos) a WORK4U — Gestão de Carreiras não conseguir proporcionar ao candidato cinco (5) oportunidades de estágio, ou seja, cinco (5) entrevistas com empresas acolhedoras”, refere o regulamento no ponto 4. Mais à frente, aparece ainda a indicação de que, “iniciado o estágio, o candidato deve proceder à liquidação da taxa de activação, no valor de trinta (30) euros”.
A empresa garante a devolução de 15 euros, caso não consiga proporcionar ao candidato as cinco entrevistas, e a totalidade da taxa de activação se o estágio for concluído com sucesso.
Tiago (nome fictício) sentiu-se desconfortável com a empresa desde o primeiro momento em que lá entrou, no fim do mês de Janeiro. Foi contactado depois de ter respondido a um anúncio para estágio remunerado na área do marketing e cruzou-se com mais dois candidatos nesse dia. A sala onde decorreu a entrevista era “um autêntico gabinete médico de medicina alternativa. Tinha uma maca, uma bancada com variados utensílios e as paredes estavam recheadas de ilustrações do corpo humano e outros temas relacionados”.
Depois de uma breve descrição da empresa por uma jovem trabalhadora e de uma apresentação feita pelo candidato, a entrevistadora comunicou a Tiago as condições do acesso à oferta, “um estágio profissional com a duração de 3 a 6 meses, com uma bolsa mensal de 200 euros e com a possível continuação na empresa após o estágio". Condição para ficar inscrito na Work4U: fazer um pagamento inicial de 30 euros.
Tiagofoi surpreendido. “Respondi que não estava à espera de ser necessário fazer um pagamento mas estava interessado no tipo de oferta.” Perguntaram-lhe se podia fazer o pagamento na hora “para dar início ao processo de recrutamento o mais rápido possível”, mas o candidato atalhou dizendo que estava sem o cartão multibanco e poderia pagar posteriormente. Vinte minutos depois da entrevista, já a Work4U tinha enviado a Tiagoum e-mail com os dados para pagamento. Mas o contacto com a empresa ficou por aí.
Pelo relatado no anúncio entretanto retirado, os contratos são feitos entre a Work4U e as empresas interessadas em recrutar estagiários, sendo estas quem definem o "valor mensal de apoio" a pagar aos trabalhadores "para custo de transporte e alimentação".
As condições de pagamento à empresa estão bem definidas e explícitas no mesmo cartaz. Uma empresa que queira garantir um ano de estágio a pronto deve pagar 969 euros, o que equivale a um desconto de 15% (171 euros); quem pretender contratar seis meses a pronto paga 510 euros, um desconto de 10% (60 euros); por último, é possível fazer um pagamento mensal de 95 euros, por débito directo.
A Work4U, marca utilizada pela entidade LONTRA – Agência de Marketing e Publicidade para Formação, tem sede nas instalações da Ibérica Instituto de Formação, cujo nome fiscal é EFIB - Escola de Formação Ibérica, uma escola de formação profissional nas áreas de gestão, administração, hotelaria, moda e estética, e ainda terapêuticas não convencionais e massagem. No Google View percebe-se que no número 96 da Rua Bartolomeu Dias se encontra a Dragão Dourado, uma associação de medicina tradicional mencionada no site da Ibérica mas cujo site está indisponível. Ao P3 foi dito pela Work4U que as empresas são independentes, tendo a Work4U “subalugado duas salas do espaço”.