Por um voto (não) obrigatório

Não sou a favor da abstenção e votei em todos os sufrágios a que fui chamado desde a maioridade. Contudo, é preciso ouvir quem está calado.

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Rafael Marchante/Reuters

Que Marcelo Rebelo de Sousa venceria as eleições, não era dúvida para ninguém. Claro que, depois da ida às urnas, é fácil fazer análises e, pesem embora as surpresas das Presidenciais, uma das palavras de ordem que mais se ouvem é esta: abaixo os abstencionistas. Antes de avançar, coisas importantes: não sou a favor da abstenção e votei em todos os sufrágios a que fui chamado desde a maioridade. Contudo, é preciso ouvir quem está calado.

As críticas chovem de todo o lado, mas muitos dos que mais se fazem ouvir são, ao contrário da expectativas, os jovens. Gritam, irados, contra aqueles que decidiram fazer do domingo passado um domingo normal. Eleições?, nem querem saber, rematam, apelidando os abstencionistas de irresponsáveis, maus cidadãos, ignóbeis usurpadores dos direitos adquiridos, dos quais não deveriam abdicar sem qualquer espécie de reservas. Até aqui, tudo bem. Mas gostaria de afirmar, sem rodeios, que esta visão é simplista e pouco preocupada em compreender a questão.

Não acredito que cinco milhões de pessoas, mais coisa menos coisa, sejam irresponsáveis - 51,16 por cento, para ser mais exacto. Creio que estes cinco milhões de silenciosos estão, antes, descrentes numa política que não os serve. A não-participação consciente é real e tem os seus fundamentos, tão válidos como os de quem vota. A título de exemplo: recentemente, contou-me um amigo (bastante conhecido de todos nós, aliás, e de quem não vale a pena dizer o nome, a bem da privacidade das suas visões políticas) que nunca votou porque não acredita no sistema democrático por representatividade. E, por isso, decide não fazer parte do processo eleitoral para que o número de quem não "quer saber" esmague o dos hábitos instituídos. Na verdade, e se pensarmos a fundo no assunto, os silenciosos são mais que aqueles que decidem votar. As forças políticas, essas, não querem saber de quem vota, embora façam o apelo politicamente correcto ao voto. Mas, no pós-eleições, pouco se faz para compreender os abstencionistas. Porquê? Provavelmente, porque não interessa, porque a estabilidade histórico-partidária poderia ser veementemente perturbada, porque um mar de gente a votar diferente poria alegados perigosíssimos candidatos nos caminhos do poder.

Não, não sou a favor do voto obrigatório. Porque sou pela liberdade. Um Estado não tem nem pode ter o direito de obrigar os seus cidadãos a fazer algo que só pode estar nas suas próprias consciências. Não votar é uma liberdade como outra qualquer. Uma liberdade irresponsável? Sem dúvida. Mas uma liberdade que não lhes pode ser retirada, porque o silêncio pode dizer muito mais do que uma cruzinha num pedaço de papel.

A solução está, creio, na educação. Porque se eu e tu acreditamos na importância de um voto na urna, não pusemos um domingo a gravitar em torno de uma eleição presidencial por termos sido iluminados por um espírito santo que não existe. Eu e tu decidimos votar porque nos foi incutida essa consciência, fomos educados nesse sentido e sensibilizados para a ideia de que, de facto, um voto pode fazer toda a diferença. E quando os silenciosos votarem, talvez a coisa mude.

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