Costa falou e foi para deixar cair Sócrates
Nos últimos dias, vários socialistas com cargos de relevo foram comentando o caso de Pinho. Por arrasto, veio o de José Sócrates. Do silêncio, passou-se à quase indignação. Faltava António Costa.
E, de repente, tudo mudou. O silêncio que António Costa tinha imposto no PS sobre o processo de José Sócrates, evitando que o caso se colasse ao partido, caiu por completo a cerca de três semanas da abertura do congresso socialista. Foi como se alguém tivesse distribuído uma cartilha pela cúpula e comentadores do PS para que o silêncio sobre as suspeitas de corrupção que envolvem o antigo primeiro-ministro e o seu ministro da Economia passassem a quase indignação. E esta quinta-feira foi a vez de Costa dar mais uma machadada em Sócrates. Será a última? Esta é a incógnita que fica para já. Quem agora se remete ao silêncio são os ainda apoiantes do antigo primeiro-ministro.
"A confirmarem-se" as suspeitas de corrupção nas políticas de energia por membros do Governo de José Sócrates, será "uma desonra para a democracia", afirmou António Costa. "Se essas ilegalidades se vierem a confirmar, serão certamente uma desonra para a nossa democracia. Mas se não se vierem a confirmar, é a demonstração que o nosso sistema de justiça funciona", acrescentou Costa durante uma visita oficial ao Canadá, numa conferência de imprensa ao lado do primeiro-ministro canadiano. Habitualmente, nestas ocasiões no estrangeiro, os políticos evitam falar em casos nacionais, considerando que não é de bom-tom comentar os casos do rectângulo nacional. Desta vez, Costa “esqueceu” a regra para falar de um caso que visa essencialmente o PS e um antigo Governo do partido.
Mas o que aconteceu para uma tão radical mudança no discurso socialista e na estratégia de silêncio que Costa impôs para o caso Sócrates, muito elogiada dentro e fora do partido? Uma das possíveis explicações foi dada por Carlos César, presidente do partido. Questionado pelos jornalistas sobre se o PS estava a tentar esvaziar o tema Pinho/Sócrates antes do congresso, César respondeu que o “congresso é um espaço de liberdade”, mas acrescentou: “O que entendemos é que as atenções devem convergir nesse congresso no sentido de dotar o Partido Socialista de uma visão programática e de um projecto sólido para os desafios com que nos vamos confrontar no futuro próximo. A melhor forma de o congresso do PS contribuir para a transparência do projecto do PS é falar do futuro, e não falar do passado”, defendeu. Para logo ressalvar: “Mas para nós não há qualquer sentido de ocultação”.
Se esta é a estratégia, Manuel Alegre acha que ela não vai resultar. Embora também ele entenda que o congresso não é o local próprio para discutir um caso tão sério como a corrupção no Estado, acha que o PS “abriu a caixa de Pandora” e agora não vai conseguir fugir a ele no congresso.
Antes, na noite de quarta-feira, já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, se tinha também referido aos casos Pinho e Sócrates, quebrando a regra do silêncio a que também ele se tinha imposto por diversas vezes. E fê-lo na SIC Notícias, assumindo o papel de primeiro-ministro em exercício por ausência de António Costa do país.
“São suspeitas sobre comportamentos que, a terem existido, significam crimes gravíssimos, mas eu não confundo suspeitas com acusações”, disse Santos Silva, referindo-se ao caso das “mesadas” do BES que terão sido pagas a Manuel Pinho enquanto ministro. Santos Silva sublinhou que Pinho ainda não foi objecto de interrogatório no processo em que é arguido, pelo que ainda não existe uma acusação formal: “Quando for acusado, seguirá o seu processo no sítio próprio que são os tribunais”, frisou.
Questionado sobre se se sente enganado, uma vez que era ministro do mesmo Governo de Manuel Pinho e José Sócrates, Santos Silva, voltou a não se remeter ao silêncio e respondeu: “Sentir-me-ei, se se verificar que algum dos meus colegas de Governo, seja ele quem for, cometeu crimes no exercício. Sentir-me-ei evidentemente enganado e sentiria que, mais importante que o meu engano pessoal, a confiança que as pessoas depositaram em sicrano ou beltrano teria sido traída”.
Na verdade, foi Pedro Adão e Silva que abriu as hostilidades sobre a matéria no sábado, no Expresso, num artigo intitulado Até quando pode o PS ficar calado?. “O PS tem também de se distanciar de comportamentos intoleráveis e impossíveis de justificar de quem governou em seu nome. O caso Pinho pode ser a gota de água que faz transbordar um copo. Ou o PS repudia o comportamento daqueles que, em seu nome, desempenharam as mais altas funções ou perpetuar-se-á um espectro de suspeição sobre a identidade do partido e sobre quem em seu nome ocupa cargos políticos.”
Não menos verdade é que, a 21 de Abril, já a eurodeputada socialista Ana Gomes se tinha referido ao assunto. "O @psocialista não pode continuar a esconder a cabeça na carapaça da tartaruga. Próximo Congresso é oportunidade p/ escalpelizar como se prestou a ser instrumento de corruptos e criminosos. Pela regeneração do próprio PS, da Política e do País", afirmou no Twitter. Só que, dessa vez, o PS manteve-se em silêncio.
Foi só quando Rui Rio, a 29 de Abril, anunciou que o PSD iria chamar o antigo ministro socialista Manuel Pinho ao Parlamento para esclarecer as suspeitas que têm sido objecto de diversas notícias que os socialistas encheram a boca com Manuel Pinho e José Sócrates como nunca tinham feito. E as declarações acentuaram-se ainda mais, quando o BE anunciou que iria pedir uma comissão de inquérito sobre as rendas pagas às empresas de energia que envolvesse os governos de Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates.
A partir daqui quase nenhum socialista quis ficar de fora da “vergonha” sobre o que já se sabia e o que se ia sabendo sobre Sócrates e Pinho. Até antigos apoiantes de Sócrates, como João Galamba, vieram a jogo. À pergunta sobre se também se sentia "envergonhado", tal como César, o porta-voz do PS respondeu: "Acho que é o sentimento de qualquer socialista, quando vê ex-dirigentes, no caso um ex-primeiro-ministro e secretário-geral do PS, acusados de corrupção e branqueamento de capitais. Obviamente, envergonha qualquer socialista, sobretudo se as matérias de que é acusado vierem a confirmar-se."
Foi Rui Rio e os desenvolvimentos políticos que se seguiram que fizeram o PS mudar de estratégia? Esta pergunta ainda não teve resposta. Sabe-se apenas que os socialistas apoiam a ida de Pinho ao Parlamento. Irão continuar envergonhados quando Pinho chegar ao Parlamento? A resposta será conhecida em breve.
Quem se mantém em silêncio sobre esta nova estratégia do PS em relação ao antigo primeiro-ministro são os socialistas que ainda apoiam Sócrates. O PÚBLICO tentou ouvir vários desses apoiantes e todos se remeteram ao silêncio. Até aqui o jogo mudou. com Liliana Valente e Leonete Botelho