Fechei os olhos. Ouvi buzinas, um trânsito caótico, senti gritos, passos apressados, dois carros que chocaram, um taxista que falava num tom alto, mais buzinas. Fumo no ar, é da fábrica do cimento, o barulho do metro, um autocarro preso no trânsito, pessoas de rosto apressado e passos perdidos. Um relógio que não pára e tempo escasso. Outro choque, um veículo ligeiro com um pesado de mercadorias. Ouço por fim o som de um pássaro... vem do zoológico, confusão no metro, dois roubos em 10 minutos, eram carteiristas. Pressa, passos ainda mais apressados, alguma intranquilidade, duas horas numa fila de trânsito e ainda faltam 10 km para o trabalho.
Abri os olhos. Ouvi um despique entre uma cotovia e um cuco, no cimo da árvore que tinha junto a mim, são espécies raras de pássaros, mas não são raras aqui. Estão a tentar perceber qual deles tem o melhor chilrear, um rasto de avião que não traz barulho, vê-se o rasto feito pela limpidez de um céu como poucos, dá quase para perceber qual o corredor aéreo que tomou. Silêncio, outra vez mais silêncio, mas o padeiro estraga tudo com a buzina durante dois minutos que parecem duas horas. Um coelho que foge pela encosta e nos retira a inquietude.
O sino da igreja que toca ao ritmo das horas que parecem dias e ecoa com espaços de 30 minutos. Respiro... é ar puro, expiro e é vapor do frio. Olho em frente e as cores multiplicam-se com o nascer do dia. O padeiro foi-se e a cotovia também, mas chegou um melro, olha na mesma direcção que eu, sem que o horizonte nos castigue pelo "voyeurismo" daquele instante.
Passaram duas horas, mas podia ser eterno.
Pego na mota e já não vou demorar cinco minutos a chegar a casa. Tenho diante de mim um formigueiro, são milhares que entram no ninho e não quero cometer um massacre. Mas nem buzino para elas se desviarem. A formiga rainha percebe e toma conta do rumo da outras. Vou dar comida à raposa que me espera diariamente no mesmo sítio que delineámos... quando o coração nos uniu há três anos. Ela já lá está, sou sempre que me atraso. Hoje atrevo-me a dar-lhe comida na boca, a minha coragem pode retirar-lhe astúcia a caçar, mas ela sabe que na ausência das presas pode contar sempre comigo.
Volto para casa, deixei migalhas de pão no alpendre azul para três alvéola-citrinas que madrugam sempre por ali nestes últimos meses do ano.
Gosto de fechar os olhos em muitas alturas, de sentir o ritmo exagerado das coisas que precisam do tempo que o tempo não tem. Do silêncio confuso e do multiculturalismo de expressões feitas de pessoas. Mas no fim, preciso de voltar. De abrir os olhos e ter tempo para sentir, escutar ou ouvir.