Sempre que ocorre uma tragédia, os meios de comunicação social gostam de explorar as histórias por trás de cada vítima. O exemplo mais recente disso ocorreu com os atentados de Paris de 13 de Novembro. Nos dias que se seguiram aos ataques, era possível ler vários artigos que se focavam em aspectos pessoais de quem perdeu a vida nesse fatídico dia: a mulher que estava grávida de três meses, o casal de namorados que estava em lua de mel, o grupo de amigos que se reuniu num jantar de aniversário… Detalhes do dia-a-dia de pessoas comuns que nos dão uma falsa sensação de proximidade com as vítimas, como se a perda dos seus familiares e amigos fosse também uma perda nossa.
Aconteceu-me estar a ler um desses artigos online quando reparei que uma das fotografias que o ilustrava vinha acompanhada de uma hiperligação que, para meu espanto, remetia para o perfil do Facebook de uma das vítimas. Movida por uma curiosidade mórbida, típica de quem assiste de fora a uma tragédia, carreguei no link e dei por mim a ver o Facebook de uma jovem rapariga. Todo o perfil estava público, por isso consegui aceder facilmente às suas fotografias e publicações antigas. Vi fotografias com os amigos nas férias, outras com o namorado e até a fotografia de uma árvore de Natal que colocou no dia anterior aos atentados, com a legenda “Quase”. Esse quase nunca chegou, pois a jovem foi uma das vítimas do ataque ao Bataclan. Porém, nas redes sociais, o “quase” tornou-se eterno. O perfil desta pessoa ficou, subitamente, rodeado de uma áurea de mistério e nostalgia, tal como acontecia antigamente quando víamos os posters de estrelas como James Dean ou John Lennon, para sempre imortalizados no tempo. Eternamente jovens e belos.
Confesso que fiquei incomodada com aquele cenário sinistro. A situação pôs-me a pensar no papel que as redes sociais têm hoje em dia na forma como lidamos com a morte. Muitos perfis de pessoas que já faleceram mantêm-se online e ainda recebem publicações, geralmente de amigos ou familiares que continuam a interagir com quem já partiu, relembrando momentos ou chorando virtualmente as saudades. Aliás, a grande quantidade de perfis de mortos no Facebook motivou a rede a criar um serviço especial para que os familiares possam tornar o perfil dos falecidos num memorial. Estima-se que em 2065 os mortos no Facebook serão mais numerosos que os vivos, o que dará origem a milhares de perfis abandonados, com fotografias sorridentes de várias pessoas disponíveis para os curiosos espreitarem, numa espécie de cemitério online. O cenário que eu achei tão sinistro irá tornar-se comum e as pessoas terão que aprender a lidar com ele.
Mas, então, há alguma etiqueta específica para fazer o luto online? É um assunto ainda delicado, pois o que uma pessoa vê como uma ajuda pode ser considerado ofensivo para outra. Para muitos, o Facebook tornou-se numa boa maneira de canalizar o seu luto. O perfil online de uma pessoa falecida torna-se numa espécie de prova concreta de que ela existiu. No entanto, para outros, as lembranças nas redes sociais podem dificultar o luto pela perda de um ente querido, dando origem a situações desagradáveis. É o caso da data de aniversário que continua a aparecer ano após ano no Facebook, o que faz com que, em certos casos, alguns “amigos” continuem a dar os parabéns a pessoas que já não são vivas. Esta questão da morte nas redes sociais é uma realidade tão próxima que até já levou à criação de agências especializadas na gestão de legados online.
É, sem dúvida, um assunto que dá que pensar. Afinal, já estivemos mais longe de alcançar a imortalidade.