Joalharia contemporânea: quando as jóias são obras de arte
A joalharia deixou de ser feita apenas com metais nobres e pedras preciosas. Uma nova vertente tem vindo a ganhar força e mostra que, nesta arte, há espaço para todos os materiais e formas. A joalharia contemporânea é um movimento em expansão em Portugal
Demorou-se a quebrar barreiras e preconceitos, mas cada vez mais há escolas, galerias e lojas dedicadas à joalharia contemporânea. Inscrevem-se alunos à procura de formação profissional e inscrevem-se os curiosos à procura de um hobby. É certo que não há idade para aprender, mas é preciso coragem para enfrentar o mercado.
Os joalheiros arriscam e abrem lojas físicas, sem nunca esquecer a Internet, que conquista também um público internacional. A curiosidade vem de qualquer parte do mundo e não é de admirar: estas jóias são comparáveis a obras de arte.
Este é um tipo de joalharia que não assume completamente um carácter comercial e ganha atributos das artes plásticas. Talento, uma certa disposição para a experimentação, criatividade e ousadia: “É preciso isso e muito mais”. Quem nos diz é José Vilares, joalheiro há 30 anos.
José acredita que uma formação adequada é essencial, visto que esta é “uma profissão como todas as outras”. A nível de licenciaturas, a Escola Superior de Artes e Design, em Matosinhos, tem o único curso superior em Joalharia da Península Ibérica, formação que a reconhecida Liliana Guerreiro escolheu. Em Portugal, salienta-se também a Engenho & Arte, uma das escolas de joalharia mais antigas e conceituadas do Porto.
Engenho & Arte: há 17 anos a formar joalheiros
José Vilares está na arte de ensinar Joalharia há duas décadas e foi há 17 anos que decidiu criar a Engenho & Arte. O fundador, professor e joalheiro juntou todas as técnicas e saberes antigos às formas modernas de joalharia e criou o que é hoje uma referência no panorama da joalharia portuguesa.
Aqui aprende-se a cravação e a cinzelagem, as técnicas que caíram em desuso e as mais incomuns, os alunos podem trabalhar em máquinas e instrumentos com mais de 100 anos e, sobretudo, têm espaço para estimular a criatividade, um elemento essencial para o joalheiro contemporâneo.
Os alunos aqui não têm nacionalidade nem idade. Estudantes de 14 nacionalidades diferentes já passaram por esta escola que está direccionada para um público com vontade de aprender, seja qual for a sua data de nascimento. O professor recorda com carinho Verónica Leonor, que começou a estudar joalharia com 69 anos. A idade não foi um entrave e a artista percorreu o mundo com as suas criações, lançando até um livro. O mundo da joalharia contemporânea perdeu a artista, mas as suas jóias ficaram, são todos estes feitos que a Engenho & Arte irá homenagear numa exposição no dia 19 de Novembro.
As obras de Verónica estarão expostas na mesma escola por onde passou, porque a Engenho & Arte não é apenas um lugar onde se aprende joalharia. É na galeria da escola onde os alunos podem expor as obras que vão fazendo ao longo da sua aprendizagem. Mas, não só joalheiros podem ter ali expostas as suas obras, todas as formas artísticas são bem-vindas já que, nas palavras do professor, “tudo influencia tudo”.
Este tipo de joalharia mais conceptual faz-se acompanhar pela moda e é para quem tem vontade de ser diferente ou irreverente. Nesta arte usam-se inúmeros materiais e são infinitas as possibilidades, desde metais ao vinil, passando pela madeira, pelos vidros e até mesmo ossos.
Esta irreverência pode não ser tudo no mercado de trabalho: “Nesta área, só vingam os melhores ou os que têm muita sorte”, afirma o professor. Mas, no geral os joalheiros contemporâneos estão a ser bem aceites e começam a ter sucesso desde cedo: “Os portugueses são muito bons naquilo que fazem e conhecem uma arte que poucos povos dominam: a arte do desenrasque”, graceja o professor.
Muitos dos alunos que ali estudaram estão agora em eventos importantes, como o Portugal Fashion e a Moda Lisboa, trabalham em teatro, fazem jóias para serem usadas em televisão e começam a criar os seus próprios projectos, como Ana Pina e Telma Monteiro – fundadoras de um espaço único da joalharia contemporânea, o Tincal Lab.
O professor diz que cada vez mais os consumidores preferem joalharia contemporânea, mas ainda não dão o devido valor a esta arte: “Os meus alunos queixam-se que os clientes querem as peças a ‘preço de saldo’ e esquecem-se de todo o investimento que ali está”.
A promessa da Engenho & Arte é continuar a formar com qualidade os joalheiros contemporâneos e dar apoios e oportunidades para desenvolverem os seus projectos. Esta é uma ponte entre o antigo e o moderno, onde há sempre algo novo a aprender: “Todos os dias venho para aqui com a mesma vontade de há 17 anos e todos os dias aprendo algo novo. São infinitas as possibilidades”.