Quando era pequena, todas estas atrocidades e injustiças passavam no telejornal e chamavam a minha atenção. Olhava com choque e espanto para tudo aquilo que os meus pais atentamente observavam, mas pouco depois a minha cabeça estava noutro lado, pois vivia com a falsa ideia de que tudo aquilo se passava num mundo muito, muito distante do meu. Mesmo até há uns anos atrás, admito, as notícias sobre os milhares de mortes que todos os dias são uma realidade, tanto devido à pobreza, ao desprezo pelos mais necessitados, ou àquelas provocadas pelos ataques de que tanto temos falado, prendiam a minha atenção mas não persistiam nos meus pensamentos.
Hoje magoa-me muito. Não é uma dor momentânea quando me levanto de manhã e ligo as notícias, para constatar que mais uma vez o mundo continua repleto de maldade. É uma dor que fica, que não se vai embora. O meu coração dói-me porque hoje sou adulta, e como adulta, sinto-me tocada e obrigada a ver as coisas de outra perspectiva.
Eu digo não às opiniões, muitos menos às “desopiniões” dos dias de hoje, que só geram conversa sem valor e até desentendimentos fortes. Não é isso que se quer. Não é isso que está ao nosso alcance fazer. Em vez de estarmos constantemente a comentar, porque não tirar 10, 20 minutos do nosso dia para rezar (ou para aqueles que não o fazem, simplesmente pensar) e deixarmo-nos sentir esta dor que é tão normal face aos acontecimentos recentes?
Claro que o meu coração está com Paris. Mas não só. O meu coração está com todos aqueles que um dia simplesmente deixam de ter o privilégio de poder acordar no dia seguinte. Com todos aqueles que não têm um tecto sobre as cabeças, que não têm comida na mesa, que são perseguidos e mortos por causas que não são as suas, e que perdem a vida como inocentes. Perdem a vida e nós continuamos a nossa. Mas não pode é ser da mesma maneira, como se nada se passasse e como se todas estas vidas merecessem um choro de um dia só.
Há dias vi um vídeo que me marcou bastante, em que um pai francês tentava explicar ao filho pequeno o porquê de tanta maldade. O rapaz, por volta dos quatro, cinco anos estava com medo dos “homens maus” e disse ao pai que teriam que mudar de casa. O pai explicou-lhe que os “homens maus” estavam em todo o lado. Tentou sossegar o filho, dizendo-lhe que estes homens maus podem ter armas, mas que nós temos flores. Flores para lutar contra as armas! E é isso que tem que entrar nos nossos corações, mesmo que seja muito difícil ignorar a raiva que sentimos por aqueles que tiram a vida a inocentes. Todos os dias podemos tentar criar as nossas próprias flores para lutar contra esta sociedade bélica e que despreza o amor mesmo quando ele está à frente dos nossos olhos.
Que mundo é este? Perguntamo-nos. Não sabemos a resposta, mas sabemos que é o nosso, aquele em que vivemos. E, sendo parte dele, parece-me mais inteligente cultivar valores tão importantes como a compaixão e a generosidade, do que aqueles que nos trouxeram até aqui, como a inimizade, a raiva e o desprezo.
Estes pensamentos podem parecer um cliché para muitos, e já foram muitas as vezes que os ouvimos, de muitas bocas diferentes. Mas é este género de pensamento que é útil, pró-activo, generoso e, acima de tudo, de amor. Porque foi isto que o pai transmitiu ao filho, e é isto que devemos transmitir uns aos outros: amor.
Os ataques terroristas não são nem nunca vão ser tudo o que de mal há neste mundo. Há muitos outros assuntos que nos devem preocupar, tocar e sobretudo forçar-nos a agir. Cada um deve agir como pode, dentro dos seus limites e tempo, mas a necessidade de acções é muito superior à necessidade de partilharmos opiniões e visões sobre dores que não são as nossas, pelo menos por agora.