Antes de mais, em exercício de boa fé e para evitar as eminentes acusações de fascismo, permitam-me: sou de esquerda e não fui votar. Na verdade, não estava sequer no país mas, em estando, também não o teria feito.
Porquê? Primeiro, não me revejo em nenhuma d'"As Esquerdas" (que pelos vistos agora passou "A Esquerda", proletários do mundo uni-vos!) e, segundo, porque nunca acreditei na teoria falaciosa do voto útil. Por não acreditar, não votei. E agora, embora com alguma agonia humanitária porque não duvido que o voto útil esteja cheio de boas intenções, como o Inferno de Dante, regozijo com a aprovação da moção de rejeição do programa de governo. Se tivesse votado seria, obviamente, na CDU; se tivesse votado na CDU, o meu estômago estaria a dar voltas a partir do momento em que vi Jerónimo de Sousa assinar um acordo com o António Costa. Tomei a decisão certa e poupei-me ao colapso ideológico de que muitos militantes da velha guarda estarão a ser vítimas. E assim, está explicado o deleite.
Agora, o factor verdade para aqueles que aplaudem: esta vitória não é vossa; nem a derrota pertence aos eleitores que votaram na PàF, para os que choram. O enredo complica-se aqui e ali a partir do momento em que vem à baila o conceito de Democracia, tão mal esclarecido nas fileiras do eleitorado mas que os eleitos conhecem tão bem e, sobretudo, manipulam.
Vencedores e derrotados, se é que realmente existem derrotados, existem apenas na pseudo-oligarquia da democracia parlamentar. Na malta dos poleiros; malta de pin na lapela, cuja cor nem sequer interessa. O deputado, independentemente do lado para que descai, ganha o seu salário absurdo estando em qualquer um dos lados da barricada. No que a isso diz respeito, não há linha que separe direita de esquerda. A votação que ocorreu na AR na terça-feira não afecta, "per se", as nossas condições sociais. Apenas perpetua o circo que é este país: o comum cidadão que acredita que o seu voto é útil. E esse voto foi usado da forma mais ilegítima e vilipendiosa equacionável: jogos e joguinhos de poder. Uma "geringonça", como disse Paulo Portas.
Nada foi mais do que uma disputa de egos entre protagonistas da elite política. Entre argumentos de política contínua de austeridade e medidas mirabolantes para devolver dinheiro aos bolsos dos portugueses, há que reconhecer que nada foi além do que uma luta pura e simples por poder, por um poleiro que nunca será meu ou vosso, eleitores.
E para as mentes menos esclarecidas que manifestam fervor e incendeiam as redea sociais, de um lado ou do outro, é preciso relembrar de que nada está decidido sem o aval do excelentíssimo senhor Presidente da República e toda a gente sabe que o Sr. Aníbal sempre gostou de gravata cor-de-laranja.
Mas, entretanto, somos nós que nos pegamos à porrada em frente da Assembleia da República, orquestrados por dirigentes políticos menores e sindicalistas pagos a peso de ouro para que isso aconteça.
A democracia parlamentar é isto. E nós não temos nada que ver com isso. O voto só é útil quando se vota em algo que se acredita, tudo o resto é palha que alimenta fogo que não interessa a ninguém.
E agora, da mesma forma como comecei, permitam-me que partilhe: afianço-vos, caros camaradas de esquerda, que o Álvaro Cunhal está às voltas no caixão desde que viu a foto do Jerónimo no Twitter do PS.