E se durante as tuas “merecidas férias” desses de caras, muito para além das fotografias partilhadas nas redes sociais, com a maior crise europeia dos últimos anos? André Barbosa, 22 anos, testemunhou-o este Verão num comboio a caminho da Hungria. “Atingiu-me ainda com mais força quando, sentado confortavelmente na minha cabine, vejo a polícia expulsar e alinhar pessoas que haviam entrado à socapa para tentar a sua sorte. O desespero e a desilusão são palpáveis. É bem diferente de ver na televisão”.
A cena parecia a de um qualquer filme de sucesso. A noite caíra em plena viagem de comboio. O cansaço da tão esperada "tour" pela Europa de Leste deu azo a um sono profundo. “Fomos acordados por um foco e voz alta — uma rusga policial, por causa da vaga de migração que tem tido lugar entre a Síria e os países circundantes. As pessoas estão desesperadas e choca. Não é como ver na televisão…” — InterRail, entrada do Diário de Bordo, dia 23 de Agosto.
São as notas que André Barbosa rabiscou, apenas em versão papel, apesar dos seus 22 anos. É assim que a sua memória tem gravada a noite em que a realidade europeia lhe entrou nos olhos e na alma, em plena capital da Hungria. Mas, horas antes, o cenário escrevia-se assim.
“A primeira reacção que tive quando saí da estação foi a de esboçar um sorriso ao ver as tendas dispostas de maneira tão organizada debaixo de um túnel de saída para a rua. Não saíra na estação central de Budapeste, antes numa secundária, e a situação, em vez de grave, surgiu na minha cabeça como: “Ao menos aqui, os sem-abrigo são organizados.”
Não associou de imediato à vaga de migração que agora enche, todos os dias e a todas as horas, as páginas dos jornais europeus. “Foi só quando me preparava para dar seguimento ao InterRail, as minhas tão merecidas férias (ironia), que a realidade me assaltou, deixando-me totalmente desarmado e desprovido de alegria: ao longo de toda a estação central de Budapeste, centenas de pessoas — adultos, crianças, bebés — espalhadas e abrigadas por tendas decrépitas, plantadas ao longo dos passeios e contornando toda a entrada principal”.
O sentimento, confessa ao P3, era ambivalente. “Vejo os polícias que não fazem mais do que o seu trabalho, espelhando no olhar toda a pena e contrariedade que sentem em relação ao que são obrigados a fazer e sou invadido por uma sensação devoradora de pequenez e impotência”.
Apenas duas semanas depois, seguem-se os “arrepios” e o sentimento de impotência ao ver, diariamente, as imagens que nos chegam da Macedónia, da Grécia, da Sérvia, da Hungria, da Alemanha...
Apesar do banho de realidade, olhos nos olhos, André está perdido. “Não sei honestamente como cidadão o que posso fazer para ajudar. Aceitá-los em minha casa é incomportável”. Com a recente licenciatura em Biologia concluída, André procura agora emprego em Portugal.