Durante uma mudança de casa, Margarida Melo Fernandes deparou-se com um problema: os serviços de loiça estavam encaixotados e fora do alcance e as refeições passaram a ser feitas num só tipo de prato (o único disponível). Inspirada por este problema prosaico criou o “1/2 Dose”, um prato versátil que nasceu do comprimento da sua mão, “É baseado no meu palmo e é um prato com o qual tenho uma relação física”, conta ao P3 a ceramista de Lisboa.
Na oficina do Lx Factory, Margarida trabalha uma pasta cerâmica tradicional e dedica-se à criação de peças utilitárias. Pratos, tijelas, saladeiras, travessas, jarras. Uma “necessidade básica” ou o pedido de algum amigo são as razões mais comuns para que novas peças encham as prateleiras do seu espaço de trabalho, onde conta com a ajuda de André Melo. A culpa, diz, é do “background do design de equipamento”, disciplina que estudou na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e que dita a preferência por objectos domésticos, sobretudo ligados à cozinha. Foi com peças deste tipo, desenvolvidas por encomenda, que colaborou, já por duas vezes, com a revista de tendências “Kinfolk”.
O desenho e a produção de cada um dos produtos da MF Ceramics têm sempre a assinatura da lisboeta de 30 anos, a construir uma marca própria desde 2010. O restauro de azulejos e uma passagem pela Dinamarca e pela Holanda ficaram para trás e Margarida optou por trabalhar sozinha, começar do zero. No espaço com vista para o Palácio das Necessidades nascem peças todos os dias, depois de semanas de desenvolvimento e de duas cozeduras num forno de altas temperaturas. “A cerâmica tem um tempo muito próprio”, revela. “Uma peça que já esteja desenhada, cuja técnica já esteja encontrada e na linha de produção demora um mês até estar pronta. Nunca menos.”
“A decoração é a forma”
A pasta que Margarida utiliza foi escolhida “pela cor e pela robustez”. “Por ser branca consigo explorar ao máximo as cores que quero, ao contrário do barro”, justifica. Isto porque são sempre simples — como dá para perceber navegando no seu site: “Nunca as pinto demasiado nem quero dar um ar muito elaborado. A decoração é a forma e não a cor ou a pintura.” Esta simplicidade é a principal característica dos serviços de chá, frascos para açúcar, anéis para guardanapos e “godets”.
Numa roda de oleiro eléctrica e não manual, como a escolhida pelos “oleiros de antigamente”, ou através do enchimento de moldes, Margarida confere forma às peças. Sempre com as mãos, artesanalmente. Foi, aliás, esta vontade de estar em contacto directo com a matéria-prima que a fez afastar-se “de um trabalho sentada em frente ao computador, a desenhar e a conceber um objecto”.
A produção de Margarida é ainda pequena e “precisa de crescer em volume para que os preços possam baixar”. Por agora são os estrangeiros quem mais compra as suas peças (com valores que começam nos quatro euros), quer através do site quer em visitas à oficina que pode fazer de loja improvisada (embora a jovem sublinhe que se trate de um espaço de trabalho). De todas as encomendas que já teve — e já vão sendo bastantes, em quase cinco anos de ceramista —, a mais fora do normal foi “um pedido para desenhar e modelar um ganso”, com base no trabalho de um ilustrador. Desafio superado, até porque a natureza (“o verde, os jardins e as plantas e não o mar”) é o que mais a inspira, a par das referências do Norte da Europa e também do Japão.
Para breve está a criação de uma manteigueira — mais um pedido de amigos, saudosos deste objecto que caiu em desuso —, de passadores e de um filtro de café e Margarida espera, ainda, dedicar-se pela primeira vez ao barro. O maior sonho enquanto ceramista mantém-se já há alguns anos, em jeito de perseguição: “desenhar a chávena perfeita para o café”, um objecto que a tem acompanhado. Pensada está a ideia de fazer “pequenas entrevistas a um grupo de baristas” para alcançar o desenho ideal. Está nas suas mãos.