Na era dos estágios

Para ti, querem fazer-te acreditar que é uma oportunidade, mas para as empresas é apenas uma boa forma de diminuir a despesa, como se não fosses tu quem produz a sua riqueza

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A política de austeridade trouxe consigo novas formas de trabalho que nos querem fazer crer ser inevitáveis. Destaca-se o estágio. Em Portugal, trata-se de um contrato que não está previsto no Código de Trabalho e que, quando possível de usar, é regulado pelo Decreto-Lei 66/2011. Estágios profissionais, estágios curriculares, estágios do PEPAC, estágios do PEPAL, estágios IEFP: Portugal está cheio destes falsos contratos de trabalho. O conceito de estágio instalou-se e criou-se a crença de que são essenciais para o currículo, assim como são a ponte para o mundo do trabalho. A questão é que há quem ainda ande a atravessar esta ponte, mesmo que já tenha a experiência necessária para ter direito a um verdadeiro contrato de trabalho.

Em especial, os vários estágios promovidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), apontados como um importante incentivo económico, subdividem-se em estágios emprego ou estágios inserção e têm sido vendidos como arma de combate ao desemprego, quando apenas servem para enganar os números oficiais da população activa. São estágios promovidos pelo Estado, com o dinheiro de todos nós, contribuintes.

De acordo com o Regulamento Medidas Estágios Emprego de 30 de Julho de 2014 (em pdf), considera-se estágio o desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho, que não pode consistir na ocupação de posto de trabalho. Ou seja, se se trata de uma forma de transição para a vida no mundo de trabalho e se é suposto serem necessidades extras das empresas, porque são estes estágios usados para preencher postos de trabalho de necessidade permanente?

Confundir estágios com postos de trabalho é já prática comum e muitas são as empresas que aderem em massa aos programas do IEFP. Para usufruirem destes programas por tempo indeterminado basta que se dêem ao trabalho de contratarem um de cada três estagiários que tenham à sua disposição, já que é um dos critérios para poderem continuar na corrida pelos estagiários. A comparticipação pode variar entre os 65, 80 e 95% consoante o tipo de entidade promotora e o tipo de “projecto” em causa. Para ti, querem fazer-te acreditar que é uma oportunidade, mas para as empresas é apenas uma boa forma de diminuir a despesa, como se não fosses tu quem produz a sua riqueza.

Os números oficiais dizem-nos que no final de Junho deste ano, o Estado patrocinou cerca de 156 mil estagiários através de programas de incentivo à contratação de desempregados. Quantas empresas usufruem destes estágios e em que termos? De um modo geral, as multinacionais surgem como as mais protegidas por estes programas de incentivo económico, como se os baixos custos de produção ("ipsis verbis", salários baixos e miseráveis) não fossem incentivo suficiente para as “chamar” para Portugal; e não fossemos nós uma das novas Índias ou Chinas da Europa.

Trata-se de mais um negócio entre o Estado e o privado, um incentivo económico que é, acima de tudo, um incentivo à precariedade e à emigração.

E nesta era de estágios, quem é que conseguiu não “beneficiar” deles?

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