Férias, sossego.

Não quero cá saber nem de gregos nem de alemães nem de americanos a fuzilarem-se uns aos outros como se fosse refresco

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kitato/instagram

E dedo no comando baixo o som à televisão, vejo o contador verde a descer e a descer e a descer, até que os gajos finalmente se calam; num instante não passam de engravatados a abrir e fechar a boca que nem peixes feios a nadar para a frente e para trás na água em que vivem, na água de que comem e em que fazem cocó.

Abro a janela para o gato espreitar a cidade (por trás canta o Vinicius), o vento que abana os candeeiros de rua ajuda-me a desligar o miolo, revejo mentalmente a lista de coisas que tenho para fazer, com todo o trabalho e misérias riscadas sobram-me visitas de amigos e a maleita do meu avô, uns anos aqui, um jantar ali, uma ida a ver família acolá; tudo bom.

Não quero cá saber nem de gregos nem de alemães nem de americanos a fuzilarem-se uns aos outros como se fosse refresco; não me venham cá com listas para as legislativas nem o Chão da Lagoa nem o descaramento do Portas e a inconsequência do Costa e a nova reforma da Assunção ou o Marcelo mais o Rio e a Maria de Belém e o funeral da Maria Barroso; poupem-me por um segundo ao califado e ao Irão e ao Obama e a Cuba e às malandragens do PT no Brasil; dêem-me largueza dos desgraçados a afogarem-se no Mediterrâneo e dos ursinhos polares a equilibrarem-se num cubinho de gelo e das leis das burqas francesas e da pulseira que o juiz não foi capaz de espetar no tornozelo do Ricardo; vá lá, só meia-dúzia de dias sem a exaustão mental de ter de nos levar a sério, meia-dúzia de dias a recalcar as risadas de quem nos trata como gado, só um momento sossegado com a cabeça de fora do nosso mar de sociopatia e egoísmo, só para respirar um bocadinho, só para ganhar balanço.

Tenho de ir à praia mostrar a pança e ao “Jamaica” abanar o rabo, tenho de acabar o Agostinho da Silva e o Tolentino do meu pai e ler o último do Eco que a minha mulher diz que é brutal, tenho de experimentar grelhar um pimento para a salada nos bicos do fogão (que diz que resulta) e apanhar a cadeia operatória da feijoada da minha mãe e encurralar a minha cunhada para nos apresentar o novo namorado, ensinar a garota a boiar com ondas e ouvir com atenção a Tulipa Ruiz que a Isabel nos ofereceu e pintar um quadro feio a que só eu vejo a beleza, abraçar e beijar uns velhotes que aterram para o Verão daqui e dali e ir à festa da Carregueira e a um ou outro concerto perdido por aí, e vadiar, vadiar mais, vadiar muito.

Temos de apanhar balanço para mais outro ano a olhar para nós próprios e a berrar do canto (quando é preciso) e a esgravatar com um galho na porcaria como andamos a fazer desde que descemos da árvore que agora tudo à volta nos sussurra que é tempo de parar: o sol, o vento, o calor e a falta de humidade, por mais que o fanado calendário dos romanos diga que estamos a meio toda a natureza nos grita que chegou a hora de parar, respirar fundo e comer uma azeitona à sombra.

Por isso caríssimos amigos, camaradas, companheiros e irmãos (e aos outros também): beijos e abraços, vemo-nos na volta em Setembro, bom sossego para todos vós!

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