É um livro feito a vinte dedos, por uma mãe e por um filho. Quatro mãos habituadas à terra, à natureza, a cultivar os produtos que vão para a sua mesa. Por isso, fez todo o sentido para Isabel de Maria Mourão e Miguel Maria Brito, a mãe agrónoma e professora universitária e o filho arquitecto paisagista, arregaçar as mangas e produzir o livro "Uma Horta em Casa", editado este mês pela Arte Plural Edições.
Falámos com o autor de 28 anos que, apesar de "algum sucesso académico" e experiência profissional na sua área, se divide actualmente entre três trabalhos temporários: barista no Mercado da Ribeira, em Lisboa, "webdesigner" num escritório e explicações a crianças dos 10 aos 15 anos. Em entrevista por e-mail, confirma-nos que sim, há cada vez mais pessoas a cultivar os seus próprios produtos, num misto de "moda" e "necessidade": "Se aquando do êxodo rural as pessoas procuravam viver no betão, agora as pessoas voltam a querer viver com o verde e a ter necessidade dele."
Este é um livro escrito a quatro mãos, pela mãe e pelo filho. A vontade de fazer hortas em casa corre na família?
Sim, cresci num ambiente verde, rodeado pela natureza. Primeiro em meio rural, Paredes de Coura, e depois num ambiente mais urbano, Braga, onde a tradição de fazer hortas no quintal é muito comum. Já em Lisboa, estudei, para a tese de mestrado, os espaços em aberto da cidade e a sua possível utilização para hortas urbanas. Esta conjugação mãe-filho foi perfeita pela complementaridade entre as duas áreas de estudo: a horticultura pela minha mãe, Isabel Mourão, e a gestão de espaço e bricolagem por mim. Juntos constituímos uma equipa multidisciplinar ideal para a concretização deste livro, onde a Agronomia e a Arquitectura se misturam.
Já existem alguns livros no mercado sobre esta temática. O que é que o livro "Uma Horta em Casa" acrescenta de novo?
Existem diversos livros internacionais traduzidos para português sobre hortas, geralmente em meio urbano. A grande especificidade deste livro reside nas soluções espaciais, na construção de infra-estruturas e na adaptação das culturas ao modo de produção dentro de uma casa portuguesa. Outros factores de diferenciação são, por um lado, os desenhos que concebi para ilustrar as várias soluções para o espaço limitado dentro de casa e as instruções para a construção, por exemplo, de vasos reciclados, canteiros verticais, prateleiras, vasos suspensos, paletes reutilizadas, entre outros. E, por outro lado, a escolha das culturas (hortícolas, aromáticas e flores comestíveis) tipicamente portuguesas e a adaptação das mesmas à produção biológica em pequenos espaços.
O modo de produção biológico, que é explicado e posto em prática, é outro ponto forte deste livro. A produção biológica não é mais do que uma forma de proteger a natureza e a saúde das pessoas. Só a partir da revolução industrial, em meados do séc. XX é que a era químico-mecânica teve um forte incremento na produção de alimentos em todo o mundo, resultando em inúmeros problemas de saúde pública, poluição ambiental e perda de biodiversidade. Hoje sabemos que este caminho tem de ser revertido.
Cada vez mais pessoas estão a cultivar produtos em pequenas hortas caseiras. A que se deve esta tendência?
É uma mistura entre moda, novas tendências e necessidade. Com o crescimento urbano, cresce também o afastamento ao “campo” e, por consequência, uma nova necessidade de ligação ao mesmo. Se aquando do êxodo rural as pessoas procuravam viver no betão, agora as pessoas voltam a querer viver com o verde e a ter necessidade dele. Este factor, aliado à vantagem de produzir o seu próprio alimento, faz com que a horta privada, de exterior ou interior, seja apetecível. Acrescento ainda que em muitos países, na Europa e noutras partes do mundo, as pessoas que habitam nas cidades ou têm uma horta num quintal, ou usufruem de uma horta comunitária concedida pelas câmaras municipais nos arredores da mesma ou, ainda, produzem no interior das suas casas, quer seja na cozinha, numa varanda ou no terraço. Em Portugal, esta tendência é relativamente recente, mas temos presenciado um crescente interesse e vontade em quase todas as cidades de Norte a Sul do País.
Quais são as vantagens de ter uma horta em casa? E desvantagens?
Quer seja por recreio, para fins pedagógicos ou mesmo para subsistência, a prática da horticultura dentro de casa permite, por um lado, a produção do seu próprio alimento saudável e, por outro, o contacto com as plantas. Acompanhar o crescimento de uma planta, quer seja para consumo ou ornamental, contribui para a saúde e bem-estar de qualquer cidadão que habita na cidade.
Uma das desvantagens é em simultâneo vista como vantagem. Ao trazermos a natureza para dentro de casa, trazemos, também, tudo o que ela inclui, ou seja, insectos e aromas, que se para uns é algo pretendido, para outros pode ser algo indesejado.
Quais são os principais conselhos que dão aos iniciantes?
Aconselhamos a começar por colocar meia dúzia de vasos junto a uma janela maioritariamente com plantas aromáticas ou flores comestíveis e eventualmente já com alguns legumes, como folhas "baby" ou alfaces. A partir daí, quer por estacaria ou sementeiras, pode-se dar continuidade e implementar a horta em canteiros numa varanda ou num terraço, podendo ser cultivadas plantas hortícolas de maiores dimensões. A luz, a temperatura, o solo e a rega são dos elementos mais importantes a ter em conta numa fase inicial de aprendizagem, os quais passam a ser intuitivos ao longo da experiência.
Desenvolvemos este livro ao longo de dois anos, em estreita ligação com familiares e amigos que demonstravam uma enorme vontade de ter sucesso nas suas hortas em casa. Deste modo, através do percurso "Porquê", "O Quê", "Onde", "Quando" e "Como", até chegarmos ao “Mãos à obra”, tentámos responder às principais questões e problemas que estas pessoas sentiam e nos transmitiam. Por este motivo, acreditamos que o livro pode ser muito útil e permitir a todos implementar a sua horta em casa com muito sucesso e usufruir dela.