Sarah foi a “ninja” que salvou a vida de Edward Snowden
Jovem britânica passou 39 dias num aeroporto de Moscovo com Edward Snowden até que este conseguisse asilo, em 2013. Sarah Harrison é editora da Wikileaks e vive em Berlim, tal como Laura Poitras, realizadora de “CitizenFour”, que estreia em Portugal a 12 de Março
O trabalho e a vida de Sarah Harrison merecem o enredo de um filme. Durante várias semanas, em 2013, esta britânica só tinha uma função: proteger Edward Snowden à custa de manobras de diversão e dos vazios legais. O antigo consultor da Agência de Segurança Nacional (NSA) forneceu milhares de documentos secretos a jornalistas, provando a existência de espionagem indiscriminada levada a cabo pelo Governo norte-americano. Tornou-se um dos homens mais procurados pelos Estados Unidos, acusado de vários crimes (entre eles o de traição), e desapareceu num aeroporto russo graças à “Mata Hari do século XXI” — assim foi apelidada Sarah Harrison por um jornal italiano.
A data de nascimento desta activista e editora de investigações da Wikileaks não é conhecida: deduz-se, pelos vários artigos já publicados em jornais internacionais, que tenha 32 ou 33 anos. Não tem contactos na pequena biografia partilhada pela organização fundada por Julian Assange, nem qualquer presença nas redes sociais. Também não tem telemóvel. Utiliza contas de e-mail encriptadas — e ensinou os pais e os amigos a fazerem o mesmo — e vive, há dois anos, em Berlim. É na capital alemã que trabalha e frequenta “cafés e restaurantes” onde também são vistos outros “activistas das liberdades civis”, conhecidos por “Snowdenistas”, revela um artigo recente da revista “Vogue”.
É precisamente em Berlim que vive Laura Poitras, realizadora de “Citizenfour”, vencedor do Óscar de melhor documentário com estreia marcada em Portugal para esta quinta-feira, 12 de Março. O filme passa-se quase inteiramente dentro de um quarto de hotel em Hong Kong, onde Edward Snowden esteve durante várias semanas até Sarah Harrison aparecer na sua vida, no Verão de 2013. Enviada por Julian Assange, a jovem passou 13 dias em Hong Kong, a estudar a melhor forma de tirar o norte-americano daquele território. Ao fim desse tempo — e de muitos vôos marcados pela Wikileaks para despistarem as autoridades —, Sarah e Edward embarcaram para Moscovo.
Assim que aterraram no aeroporto de Sheremetyevo, na capital russa, perceberam que o passaporte de Snowden tinha sido cancelado enquanto estavam no ar. Tinha início um compasso de espera de 39 dias na zona de trânsito do aeroporto: sem passaporte válido, o “whistleblower” - como é designado vulgarmente e que em português significa denunciante - não conseguia entrar na Rússia legalmente (precisava, para tal, de ter autorização de asilo). Desenvolveram aquilo que Sarah descreve à “Vogue” como “amizade colegial”: partilharam um quarto simples sem janelas, lavaram a roupa suja no lavatório e viram filmes nos computadores.
Entretanto, a activista trabalhava em vários pedidos de asilo político ao mesmo tempo e procurava uma solução para o impasse em que Snowden se encontrava. Só quando a Rússia acedeu é que os dois puderam abandonar a zona de trânsito do aeroporto, a 1 de Agosto: Sarah manteve-se por perto durante cerca de três meses, findos os quais viajou para Berlim, onde ainda vive. É uma das responsáveis pela verificação da autenticidade de “documentos fornecidos à Wikileaks”, escrevendo depois relatórios sobre os seus conteúdos.
Uma "ninja" obstinada
Laura Poitras define Sarah como “extremamente inteligente e obstinada”, “muito motivada pelos seus princípios”. Só assim se explica como se colocou em risco para “salvar” Snowden, cuja primeira frase que disse, já dentro do avião que os levaria a Moscovo, foi: “Não estava à espera que a Wikileaks enviasse uma ninja para me tirar daqui”. À “Vogue”, a activista garantiu que o “whistleblower” é tudo “menos um traidor ou um espião” e que citava, frequentemente, a constituição dos Estados Unidos.
Há rumores — nunca confirmados — de que Sarah mantém uma relação amorosa com Julian Assange, que conheceu em 2010 quando desenvolvia trabalhos no Centre for Investigative Journalism, em Londres. O fundador da Wikileaks está, há já vários anos, a viver na embaixada do Equador na capital britânica, ao abrigo de asilo político. Segundo aquela revista, Sarah não o vê há quase dois anos.
Sarah foi aconselhada a não voltar a casa. A nova legislação britânica contra o terrorismo poderá ser invocada para a deter, o que faz dela uma exilada na Alemanha.
“Ela realmente salvou a vida de Snowden”, sublinhou o jornalista norte-americano Jacob Appelbaum, realçando o facto de Sarah estar, basicamente, exilada em Berlim: “É um preço pesado a pagar”.