O que eu quero para o Natal

Aproveite-se a época festiva para reciclar a importância da família, ao mesmo tempo que a convicção surda nos avisa de que não haverá muitos mais natais como estes

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CHRIS KEANE/ Reuters

"Este é o último ano em que oferecemos prendas uns aos outros. Não vale a pena. É uma tarefa desnecessária. Daqui para a frente, o nosso único esforço há-de ser única e exclusivamente o de estarmos juntos, pelo menos até ao dia em que o Nelson tiver filhos." Lembro-me que isto aconteceu numa noite de Natal, há coisa de uns quatro ou cinco anos, embora não me recorde ao certo de quem, no seio da minha família, proferiu estas sábias palavras. Talvez tenha sido o meu avô ou a minha mãe, já não sou capaz de precisar.

À época, o conceito idealista (e, admitamos, pouco materialista) não me agradou. O Natal sempre havia sido feito de presentes recém-abertos e papéis coloridos e amachucados, pelo que estaríamos a desvirtuar e até a profanar essa instituição sazonal. De início, nem achei que a empreitada fosse avante, mas acabou por ir.

Natal após Natal, a família Castanheira Nunes tem vindo a reunir-se à mesa numa casa humilde de uma minúscula aldeola do distrito de Castelo Branco. Não há presentes debaixo do pinheiro natural enfeitado de luzes e bolas de cores garridas. Come-se o bacalhau enquanto se partilham histórias, umas novas e outras repetidas. E, uma vez que o Nelson ainda não tem filhos, as prendas continuam a não fazer parte do cardápio festivo.

A ansiedade por uma noite natalícia não era tanta desde os meus tempos de menino, em que sabia que vinha aí um jogo novo para o GameBoy ou o último modelo do Action Man. Hoje, o propósito é diferente. Hoje, a vontade recai sobre os sorrisos, as alegrias da existência em comunhão e a recordação do belo lugar de onde viémos que há-de empurrar-nos com ainda maior veemência para o sítio onde queremos chegar.

Bem sei que isto vai soar a mensagem vazia e banal de Natal, mas pouco mais existe para além desta verdade: que se lixem os presentes e as filas nos centros comerciais à procura do último pacote de bolachas ou de uma sacola de plástico mal amanhada. Aproveite-se a época festiva para reciclar a importância da família, que tende a reduzir-se exponencialmente e com uma certa dose de violência, ao mesmo tempo que a convicção surda nos avisa de que não haverá muitos mais natais como estes.

Juntem-se aos que são vossos, quer estejam ou não unidos pelas características sanguíneas. Esqueçam quezílias, guardem as desavenças todas na gaveta mais esconsa. Não disfarcem zangas com o último livro do Markl ou do José Rodrigues dos Santos. Lembrem-se do que verdadeiramente importa e, mais que tudo, deixem-se de grandes e caprichosas merdas. Feliz Natal.

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